São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 1994
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Na luta pela cidadania

HERBERT DE SOUZA

A sociedade brasileira, a opinião pública, a mídia, não há quem já não tenha me julgado. Há quem tenha me condenado, há quem tenha me absolvido. Escondi o erro, reconheci o erro, expiei minha culpa num enorme confessionário público, na primeira página de todos os jornais, em todas as emissoras de TV, de rádio. Manifestações de solidariedade chegam de todos os lados e me dão a certeza que a qualidade de quem me condena é infinitamente menor daqueles que me absolvem. Mas, nem santo nem mártir, quero viver. Quero exercer a minha cidadania. Quero continuar a luta pela vida e pela cidadania de todos.
A Ação da Cidadania Contra a Miséria e Pela Vida está entrando na segunda etapa, a do trabalho. Cerca de 3.000 mil comitês, em todo país, estão preocupados com o cotidiano de gente que não tem comida, trabalho, cidadania. E é nesta luta que quero estar. Ao lado de empresas grandes e pequenas, governo, sociedade, ONGs, comitês, quero voltar à minha rotina de trabalho duro. Não é fácil brigar pela geração de trabalho num país acostumado a tratar tão mal seus trabalhadores. Não é fácil quebrar a indiferença de uma elite que prefere ignorar que existem 20 milhões de pessoas que trabalham em condições tão precárias que, mesmo com trabalho, não têm condições de sobrevivência.
Da mesma forma como foi criativa ao enfrentar o desafio da fome, a sociedade já dá sinais de que pode também achar soluções inventivas para o trabalho. Um exemplo significativo disso é o que está acontecendo no município de Ponte Nova (MG). Lá, o comitê criado a partir de uma agência do Banco do Brasil, e que hoje reúne dezenas de entidades, mantém um programa de frentes de trabalho em sistema de rodízio, que chega a beneficiar cerca de 400 famílias.
Os integrantes do comitê arrecadaram 111 salários mínimos entre empresários, comerciantes, sindicalistas e profissionais liberais da cidade, e pagam, com esse dinheiro, 145 frentistas que se revezam, trabalhando semana sim, semana não, de segunda a sexta, durante quatro horas e meia diárias. Os trabalhos a serem realizados são decididos pelos subcomitês organizados em oito bairros do município. Desse modo, os frentistas desenvolvem trabalhos em fábricas de tijolos, fabriqueta de sabão, calçamento e limpeza de ruas, artesanato, construção de creches, reformas de casas e confecção de roupas.
Vale também lembrar aqui iniciativas de empresas no estímulo à formação profissional de adolescentes, como é o caso das lojas C&A, através do Instituto C&A de Desenvolvimento Social. Usando microcomputadores obsoletos para as necessidades de uma grande empresa, o instituto iniciou um curso de informática para adolescentes carentes, alguns dos quais já estão empregados nos setores de informática da própria C&A e do Banco do Brasil. O projeto conta com a colaboração de professores voluntários e indica um caminho que pode ser seguido por outras empresas.
Já reconheci o erro político, agora, quero cuidar de voltar a vida política, com as minhas humanas possibilidades de erros e acertos. Contamos hoje com o ministro Ricupero como aliado para a geração de emprego e ele sabe que pode contar comigo para o combate à inflação. Conto com o Sebrae, com os pequenos empresários, responsáveis por seis em cada dez empregos no país. Conto com a força da cultura, hoje totalmente solidária e mobilizada pela questão do trabalho. Contamos com a mídia, de onde partiram, a despeito de alguns, significativas e preciosas manifestações de solidariedade. E contamos, até, com os adversários, sempre tão prestativos em críticas. Desde que contribuam para o debate, que apresentem propostas, críticas também são benvindas. Não me pretendo, repito, unanimidade nacional. Basta lembrar que toda unanimidade é burra.
Cidadão comum, passível de erros, vou retomar, com força, o caminho que sempre acreditei certo. Não tenho o direito de esmorecer, assim como ninguém tem o direito de me excluir do processo político, de cassar a minha cidadania. As campanhas contra a fome e contra o desemprego continuam, seguem e, em alguns casos, recrudescem. No Rio de Janeiro, por exemplo, cinco comitês foram formados desde que admiti, publicamente, que concordei com a doação de US$ 40 mil feita por banqueiros de bicho para a Abia (Associação Brasileira Inter-disciplinar de Aids). Estou de pé, vivo, e sou um cidadão em luta pela cidadania de todos os milhares de excluídos que este país já foi capaz de produzir.

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