São Paulo, terça-feira, 19 de abril de 1994
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Ralph Ellison deixa romance inacabado

CARLOS EDUARDO LINS E SILVA
DE WASHINGTON

A morte resolveu para Ralph Ellison o problema do seu segundo romance. Se vier a ser publicado, ficará ao lado de "O Homem Sem Qualidades", de Robert Musil, como um dos mais famosos livros inacabados deste século.
Musil (1880-1940) dedicou 21 anos ao trabalho não terminado, que foi interrompido pela invasão de seu país, a Áustria, pela Alemanha nazista.
Ellison, autor de "O Homem Invisível", o mais importante romance americano publicado desde 1945, gastou 40 anos com sua segunda obra de ficção e enfrentou em 1977 o incêndio que destruiu parte dos manuscritos.
Joe Fox, o editor de Ellison, disse ontem que o livro está quase pronto. Tem mais de mil páginas e nenhuma proposta de título. A viúva, Fanny McConnell, vai decidir se e quando vai ser editado.
Sabe-se pouco sobre o romance. Entre 1960 e 1977, Ellison ofereceu ao público oito trechos dele. Mas depois que o fogo em sua casa de praia em Plainfield, Massachusetts, costa leste dos EUA, queimou 360 páginas do livro das quais ele não tinha cópia, o autor não quis mais falar sobre ele.
Amigos afirmam que o efeito do incêndio sobre Ellison foi devastador. Numa das poucas vezes em que tratou do assunto, ele disse que ficou "desorientado". Não conseguiu trabalhar no livro durante cinco anos.
Em 1982, ele o retomou. Tentou reconstruir o que havia perdido com base nos trechos publicados, na sua memória e nas lembranças dos amigos que haviam lido os originais. Entre eles, o romancista Saul Bellow.
Bellow disse no domingo que os manuscritos eram "uma coisa maravilhosa, pelo menos do mesmo nível de "O Homem Invisível". Mesmo incompleto, acho que quando for publicado será um marco na história da literatura".
O enredo é ambientado em Washington e num Estado do sul do país. Os personagens principais são um pregador negro, Hickman, e seu filho adotivo, Bliss, que se passa por branco e se elege senador com retórica racista.
A revista "The New Yorker" publicou no mês passado entrevista com Ellison, a propósito do seu 80º aniversário, comemorado em 1º de março. Como de costume, ele evitou falar sobre o "trabalho em progresso".
Disse que se dedicava a ele todos os dias mas com frequência se sentia insatisfeito e reescrevia tudo o que tinha feito na véspera. Afirmou também que estava "ansioso" por terminar o trabalho e vê-lo publicado.
Na entrevista a "The New Yorker", Ellison (que, segundo o repórter David Reminik aparentava no máximo 65 anos de idade) falou de planos de escrever suas memórias quando acabasse a novela.
Nelas, com certeza, a maior parte seria dedicada à questão racial. Ellison foi o primeiro autor negro a fazer sucesso nos EUA.
Passou de herói unânime de sua raça à classificação de conformista segundo líderes radicais do movimento negro nos anos 60. Nos últimos anos, sua imagem na comunidade vinha sendo reabilitada.

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