São Paulo, terça-feira, 19 de abril de 1994
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Giorgetti capta confusão social em 'Sábado'

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 51 anos, Ugo Giorgetti é quase um estranho no ninho do cinema brasileiro. Experiente diretor de filmes publicitários (realizou algumas centenas deles), passou ao largo do Cinema Novo e do Cinema Marginal, movimentos tocados por gente de sua geração.
Está finalizando a mixagem de seu terceiro longa-metragem de ficção, "Sábado" (leia texto abaixo). Os dois primeiros –"Jogo Duro" (1985) e "Festa" (1988)– lhe valeram a reputação de um cineasta original e meticuloso.
Nesta entrevista, ele comenta sem nenhuma condescendência o cinema brasileiro e diz que o objetivo de seus filmes é testemunhar a confusão do mundo.
Folha - "Sábado" é seu terceiro longa de ficção, e o terceiro que se passa num único ambiente. Por que isso?
Ugo Giorgetti - Principalmente por razões econômicas, pois fica mais barato filmar em estúdio.
Para mim, os problemas numa filmagem são os grandes deslocamentos de equipe, os contratempos meteorológicos, os prazos para devolver uma locação...
Folha - Nos seus três longas aparece um contraste entre classes sociais, cujos representantes convivem por algum tempo num espaço restrito. Houve a intenção consciente de criar um microcosmo da sociedade?
Giorgetti - Não. O que eu gosto de fazer, quase como um vício de documentarista, é pegar pequenos momentos –uma casa, um sábado, um prédio, uma festa– e trabalhar com eles para ver o que acontece.
O que me interessa é testemunhar a confusão reinante. Acho que o que existe de fundamental é uma puta confusão: pequenos universos que giram em torno de si mesmos e aparentemente se comunicam, mas na verdade não se comunicam.
Folha - É o que se passa em "Sábado"...
Giorgetti - Exato. Ninguém queria fazer esse comercial naquele prédio decadente, e o pessoal do prédio também não queria ser invadido por aquela gente. Mas eles são obrigados pelas circunstâncias a conviver por algumas horas.
Por exemplo, aquela diretora de arte (Maria Padilha) jamais iria passar perto de dois caras do IML –e de repente ela fica sete horas com eles e com um cadáver, presa no elevador.
O que eu acho interessante é que, por alguns momentos, esses mundos diferentes parece que vão se tocar, mas não se tocam. Ninguém aprende nada, não há "lições"...
Alguém me falou: "Pô, mas essa mulher não sai transformada por essa experiência?" Sai nada. Depois ela toma um banho, vai fazer outro comercial e pronto.
Folha - Você dá muita importância ao apuro técnico. Você acha que se constituiu no cinema brasileiro uma cultura do desleixo e da improvisação?
Giorgetti - Acho. E, para mim, cinema e jeitinho brasileiro são duas coisas que não combinam.
Acompanho cinema desde o neo-realismo italiano e nunca conheci um cinema porco no mundo. O único cinema em que acontecem coisas como cenas fora de foco, cortes absurdos, fotografia precária é o brasileiro.
Quando o Gilberto Gil vai mixar seu disco nos EUA, ou a Companhia das Letras capricha na edição de um livro, ninguém diz que é frescura. Por que o cinema tem que ser malfeito para não ser acusado de esteticismo?
Aprendi a fazer cinema com pessoas que tinham vindo da Vera Cruz e que fundaram uma grande produtora de comerciais chamada Linx Filmes. Esses caras imprimiram uma marca de rigor no cinema publicitário.
Com eles aprendi "isso não pode", "faz de novo", "vai pra casa estudar". Toda vez que eu troquei isso por "vai assim mesmo", eu me arrependi depois.
Folha - Na polêmica entre cinema de autor versus cinema industrial, você parece adotar uma terceira via...
Giorgetti - Acho importante ter o controle global do filme: roteiro, elenco, montagem. Mas a idéia de autoria no cinema é relativa, não se compara com a autoria de um livro, ou de uma música. No cinema a autoria é também do fotógrafo, do ator, do cenógrafo. Esse negócio do gênio que chega no set e deixa todo mundo esperando que a inspiração o ilumine não funciona. Pelo menos para mim.
Folha - Uma característica de todos os seus filmes é usar no elenco gente de outras áreas –músicos, escritores...
Giorgetti - Acho que o cinema –pelo menos o meu– vive de rostos, de caras, de closes. Você vê a cara do Wandi, do Premê, e ali tem uma antologia do subúrbio paulistano, misturado com sabe Deus o quê. Então eu gosto de pegar esses rostos que têm uma história e revelar num filme.
Folha - "Sábado" vai a festivais internacionais?
Giorgetti - Só se eu tiver um contato muito quente. Porque simplesmente botar o filme numa fita e mandar é o mesmo que colocar uma mensagem na garrafa e jogar no mar.

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