São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 1994
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Uma revisão do fracasso

JANIO DE FREITAS

O fracasso da revisão constitucional tem motivado muitas opiniões irritadas, mas raríssimos esforços de análise das suas causas. A explicação mais ampla para isso é o empobrecimento intelectual da vida política e, em paralelo, do jornalismo político (do que esta coluna, mais que testemunha, é também prova). No caso particular da revisão, porém, houve uma confluência de fatores, nem sempre correlacionáveis, que dificulta mesmo o exame anatômico do fracasso.
Já alguém o atribuiu à maneira como o presidente da revisão, senador Humberto Lucena, conduziu os trabalhos, digamos que sem vigor e sem rigor. O fracionamento dos partidos tem sido responsabilizado com frequência. Aí estão dois exemplos de fatores sem relação entre si e, no entanto, inegáveis contribuintes para o fracasso, respeitada a sua diferença de peso. Mas a estes e aos demais fatores parciais sobrepôs-se, a meu ver, um de alcance generalizado, que uniu a todos. Foi o absurdo poder do relator e a maneira como o deputado Nelson Jobim o exerceu.
As 17 mil propostas de emendas constitucionais apresentadas pelos parlamentares exprimiam, em princípio, um interesse pelo menos razoável dos parlamentares na revisão. A partir daí, Nelson Jobim tornou-se o senhor único dos trabalhos. Decidiu o que quis e como quis quanto às propostas de emendas. Decidiu a ordem temática da revisão. Decidiu recorrer a casuísmos ridículos na vã tentativa de atrair presenças, pelo favorecimento a governadores e prefeitos. Quando muito, reunia-se com líderes de bancadas para a aparência de decisões conjuntas. Assim foi durante os últimos seis meses: não houve debate, não houve oportunidade de qualquer participação dos parlamentares em geral. Foi-lhes consentido apenas aguardar um dia de votação, o que tardou mais de quatro meses, e aprovar ou recusar a emenda de artigo constitucional que Nelson Jobim lhes apresentasse.
Substituindo o sentimento de participação pelo de exclusão, o poder concentrado pelo relator resultou em desestímulo aos parlamentares e estímulos à influência dos fatores não circunstanciais, como a dissonância interna das bancadas, a dubiedade das lideranças diante desse fracionamento e, com destaque maior dentre todos, o vício generalizado e crescente da ausência.
O escolhido
O novo secretário de Meio Ambiente, Haroldo de Mattos Lemos, leva para o governo federal a experiência adquirida como secretário de Obras do governo Moreira Franco. Em tal condição, ele foi (com o hoje peessedebista Márcio Fortes) o organizador da maior concorrência feita no Estado do Rio. Destinava-se ao sistema de água Marajoara, cujos US$ 2,4 bilhões igualavam o preço de toda a Ferrovia Norte-Sul.
Coincidentes também no tempo, ambas de 87, as concorrências destas duas obras igualaram-se ainda na multiplicação, por três, do preço das obras segundo as tabelas de mercado. Gêmeas até no fim, uma e outra tiveram que ser anuladas pelo mesmo motivo e com escândalo semelhante: a publicação dos vencedores, na Folha, antes mesmo de abertas as propostas.
Próspero controlador, há anos, de ONGs que se valem de grandes doações externas, até da ONU, Haroldo de Mattos Lemos, no Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia, vai estar no meio do ambiente de enormes interesses econômicos.

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