São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 1994
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Notícias do Rio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – É muita emoção de uma só vez. O Rio está empaturrado de sobressaltos: desde os assaltos à bolsa e à vida até os baixos e altos de sua alma assanhada.
No momento, estão em pauta os seguintes assuntos: centenário de Ipanema, cinquentenário da Presidente Vargas, bicheiros presos e bicheiros soltos, corrupção e indignação em doses iguais, campanha pela cidadania e para remover um poste que atrapalha o trânsito em Del Castilho.
Afinal, o que se pode esperar de uma cidade que até hoje não sabe onde estão os ossos de Dana de Tefé? Para os desmemoriados relembro o grande lance da biografia física e metafísica do Rio.
A milionária foi perfidamente assassinada pelo pérfido amante, o pérfido amante solertemente confessou o crime, mas nem ele nem a polícia sabiam onde estava o cadáver e sem cadáver não há crime.
Procuraram a ossada nos 20 anos seguintes, nem Bu¤uel, nem Ionesco, nem Kafka conseguiriam imaginar assassino e polícia, coesos como os militares em horas de crise, investigando palmo a palmo o chão da cidade à procura dos ossos.
Daí a tese que defendo há outros tantos 20 anos: enquanto não se vencer esse gargalo –que é ao memo tempo policial, moral e urbano–, do Rio deve-se esperar as piores coisas.
A última da mídia foi descobrir que o único punido pelo estouro das listas do Castor é exatamente o policial que estourou as ditas listas. Para provar que esse policial é honesto, alega-se que ele tem um carro do remotíssimo ano de 1984.
Eu suspeitava que o Brasil fosse a maior concentração de honestos do planeta, mas não podia imaginar que fossem tantos. Mais de 80% da população brasileira –segundo dados absolutamente confiáveis– têm carros mais antigos ou simplesmente não têm carros de ano algum.
Tanta honestidade me comove e, ao mesmo tempo, me assusta. Tenho dois carros mais recentes e quando me olho no espelho suspeito de mim mesmo. Só não me apresento voluntariamente à polícia porque também não sei onde estão os ossos de Dana de Tefé.

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