São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 1994
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Razão e emoção

ALEXIS STEPANENKO

Os tempos mudaram. De uma hora para outra, caiu o Muro de Berlim, o comunismo está ruindo, a União Soviética foi implodida. A China começa a adotar práticas econômicas capitalistas, a economia cada vez mais se interdepende e se globaliza. Está aí o Nafta. O Mercosul caminha. O Brasil não pode, de novo, perder o passo da história.
A preparação para o futuro e as necessidades do presente exigem que revisemos radicalmente nossos conceitos. Tabus foram criados para serem quebrados. Quem tem medo do debate tem medo da democracia.
Nosso rumo, hoje, é o da competitividade no contexto de uma economia aberta e exposta à concorrência internacional. A hora requer que a administração pública assuma uma nova postura quanto ao papel do Estado. O objetivo a perseguir de forma incansável é um setor público eficiente. Para isso, é preciso caminhar resolutamente em algumas direções: discussão do monopólio estatal, privatização, melhor gerenciamento das empresas estatais, descentralização dos serviços públicos federais.
Quando mencionamos as empresas estatais, é preciso dimensionar o universo de que estamos tratando. Em sua recente visita ao Brasil, a ex-primeira-ministra Margaret Tatcher assustou-se quando lhe falei que temos 158 estatais federais e nada menos do que 560 estatais estaduais e municipais, para citar apenas aquelas com sede nas capitais. É natural que mrs. Tatcher tenha se surpreendido. Trata-se de um número digno de sustos.
Se não privilegiarmos iniciativas voltadas para dar maior autonomia gerencial às empresas estatais desde que assegurando, ao mesmo tempo, mecanismos de cobrança do desempenho delas, dificilmente poderemos ter um setor público eficiente.
É preciso, portanto, aprimorar a qualidade de gestão. A instituição pública tem de ser gerida com a mesma eficiência que vale para a sobrevivência do setor privado, com maior responsabilidade e total transparência de suas atividades. Quando não é eficiente, a empresa privada quebra. Empresa estatal ineficiente é no mínimo um desrespeito ao cidadão-contribuinte.
Os contratos de gestão representam um passo na direção da melhor qualidade gerencial das estatais. Através deles, estamos estabelecendo uma nova ordem de relacionamento entre a União, acionistas e a própria empresa.
O programa de privatização e a parceria com a iniciativa privada, seja nacional ou internacional, na produção de bens e serviços de interesse público, são outra vertente que se está trilhando. É um grande desafio. A privatização requer tempo, flexibilidade, cautela e estratégias bem definidas, o que jamais pode significar recuo ou retrocesso. A desestatização, como mostra a experiência brasileira recente, leva a reduções de custos e a ganhos de eficiência que podem se traduzir em preços menores ao consumidor e maiores investimentos.
Reconhecidos os direitos de acesso direto dos empregados e demais trabalhadores à compra das estatais, a privatização é um processo de democratização do capital. A venda pulverizada de ações por todo o país, em agências bancárias e até nos postos dos Correios, permitindo a criação de uma poupança popular em ativos reais, é fator importante no processo social de redistribuição da propriedade e da riqueza.
O Estado tem de se reduzir à dimensão ideal: não lhe cabe mais produzir aço, por exemplo, enquanto se deterioram os serviços de saúde, educação, segurança pública. O Estado onipresente está sendo banido no mundo. Os escombros do Muro de Berlim não são uma mera figura de retórica.
A execução de uma política de privatização leva à discussão do monopólio estatal. O debate tem suscitado paixões e sectarismos, devido em grande parte à praga do corporativismo, que perde de vista a missão da empresa –isto é, a razão de sua existência. A miopia do corporativismo fere de morte as estatais. Efeitos nefastos dessa miopia estão a olho nu: basta lembrar a situação em que se encontram estatais como a Rede Ferroviária Federal, Lloyd Brasileiro, Siderama. A empresa estatal é da sociedade e não de seus funcionários.
Passionalismos à parte, existe uma questão fundamental, que somente os lúcidos e serenos têm percebido: monopólio não deve ser visto como proteção confortável. O monopólio estatal é, na verdade, um mandato concedido pela sociedade, através de seus representantes no Congresso Nacional, para que um setor, segmento ou atividade econômica possa ser explorado com exclusividade.
Numa economia aberta, monopólios somente se justificam quando conseguem atender com eficiência as demandas da sociedade. Ficam implícitos, por isso, nos monopólios, desafios de desempenho que frequentemente são cobrados pela própria sociedade que concedeu tal privilégio. Ninguém é dono do mandato do monopólio senão a sociedade. O monopólio não é da empresa e muito menos dos seus empregados. É uma concessão da nação, um pacto, um contrato inscrito na Constituição e, como tal, passível de ser alterado na revisão constitucional.
Nada mais justo, portanto, que a sociedade discuta, no Congresso Nacional, a validade deste mandato ou mudanças na sua forma e conteúdo. É preciso dar a César o que é de César. O debate é inerente à democracia. É de se desconfiar, pois, que quem teme a discussão do monopólio estatal não vê com bons olhos o regime democrático. Ou só tenha olhos para o seu umbigo.

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