São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 1994
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Karlmarxstrasse

REYNALDO DE BARROS

E se a avenida Faria Lima se chamasse Karlmarxstrasse (avenida Karl Marx, a principal da ex-Berlim Oriental)?
Talvez não tivesse havido a enxurrada de representações, ações populares, ações cautelares e de inconstitucionalidade, protestos e passeatas que contaram com apoio da OAB, CUT e até do Greenpeace. O PCdoB e imensa parcela do PT aplaudiriam. Poucas vezes na história de São Paulo uma questão urbana foi tão ideologizada e mistificada.
Quem consulta a enorme pilha de recortes dos jornais sobre o assunto, constata que o grande defeito do projeto Faria Lima é o de ser uma iniciativa do prefeito Paulo Maluf.
Na enxurrada do noticiário contrário, constata-se –como faz o professor Antonio Candido, ministro da Cultura do governo paralelo de Lula, em artigo na Folha (4/04)– que a retomada do projeto foi cogitada durante a gestão petista de Luiza Erundina. Mas o deixou listado no suplemento especial do "Diário Oficial do Município", de 24/12/92 ("Cadernos de Planejamento"), a Faria Lima como uma obra urbana a ser levada adiante nos exatos moldes em que está sendo feita.
Os críticos do projeto argumentam que é uma obra cara, antiecológica, não é prioritária, desaloja antigos moradores e perturba a paz da pacata Vila Olímpia.
Tais "argumentos" –de indisfarçável caráter elitista– não se sustentam. Ganham aparência de verdade porque repetidos mil vezes, segundo técnica conhecida. Não é o prefeito, seja ele quem for, que determina mudanças num bairro residencial. É a dinâmica econômica da cidade.
Karl Marx explica, ao tratar da questão fundiária em "O Capital", a diferença entre exploração "intensiva" e "extensiva" da terra. Esta diferença é que faz um prédio valer mais que uma casa, um imóvel comercial mais que um residencial. Esta lei da economia trocou os casarões da Paulista do começo do século pelos atuais espigões, como está mudando hoje o Itaim Bibi e a Vila Olímpia.
Qual foi o prefeito que determinou o surgimento do comércio hoje existente nas ruas João Cachoeira, Clodomiro Amazonas, Bandeira Paulista e Joaquim Floriano? Foi um poder –ou vilão– maior do que qualquer prefeito: o dinheiro. O dinheiro que faz o metro quadrado nesta região valer tanto quanto dez metros em Alphaville, ou na Granja Viana. Qual foi o prefeito que determinou que um bairro como a Vila Olímpia surgisse sem uma única praça, e com sobradinhos geminados de "parede-meia" senão a própria especulação imobiliária na escala da época?
Qual foi o prefeito que determinou a explosão de migração interna para São Paulo, o crescimento na cidade do setor terciário da economia, o surgimento de bairros e cidades dormitórios de onde precisa se deslocar para o trabalho a população mais humilde?
Essas são as perguntas –não formuladas e portanto não respondidas– que se escondem por trás da falsa polêmica da Faria Lima, um projeto como tantos outros da cidade que não surgiu da vontade de qualquer prefeito, mas da necessidade de racionalizar um desenvolvimento, cuja dinâmica é caótica em si mesma.
Alguns depoimentos dos desapropriados, publicados esparsamente na imprensa, revelam essa compreensão, que os politicamente motivados são incapazes de ter: "Eu gosto da minha casa, mas não posso ser contra o progresso. Se me pagarem à vista o valor real do imóvel vou embora sem problemas" (moradora Maria Antonieta, na "Folha da Tarde", 3/03/94). "Eu acho ótimo porque a rua já está desgastada. É um caos para entrar. O trânsito é horrível, fico 1h15 parada no congestionamento" (outra moradora, que não quis se identificar por medo de represálias, na citada reportagem).
A Faria Lima é uma obra absolutamente prioritária, vai gerar 20 mil empregos, beneficiar 2 milhões de usuários de ônibus no eixo do Ceagesp (zona oeste) até a avenida dos Bandeirantes (zona sul), eliminar a poluição sonora e atmosférica que os atuais congestionamentos causam.
A ex-prefeita Luiza Erundina e seu secretário do Planejamento Paul Singer conhecem essas vantagens, ou não teriam recomendado a obra. O arquiteto Siegbert Zanettini, um dos maiores críticos do projeto –talvez porque seu escritório esteja incluído entre os imóveis passíveis de desapropriação– sabe mais: ele assina o "Projeto de Reabilitação da Área Central" de Campinas, prevendo a desapropriação de mais de cem imóveis para o alargamento de avenidas.
A obra é autofinanciada pela proposta do Cepac –Certificado de Potencial Adicional de Construção– (que permite obter através da parceria com a iniciativa privada os US$ 200 milhões em que as desapropriações e o custo da obra estão orçadas), com desapropriações (mínimas) pagas à vista pelo valor de mercado determinado pela Justiça.
O prolongamento da Faria Lima é visto assim pelo ex-prefeito J. C. Figueiredo: "Uma obra necessária, que já de há muito deveria ter sido realizada. Uma situação que se agravou com o tempo, pois a av. Faria Lima se comporta como a segunda artéria econômico-comercial de São Paulo, ombreando-se com a av. Paulista, para, muito em breve, superá-la."
Em resumo, a avenida que leva o nome ilustre de Faria Lima, poderá em breve ser comparada à 5ª Avenida ou à Karlmarxsatrasse, segundo a preferência ideológica de cada um. Mas será uma obra concluída em que pese todas as incompreensões, porque o compromisso desta administração não é com ideologias, e sim com o povo, com o desenvolvimento e com o futuro de nossa cidade.

REYNALDO EMIGDIO DE BARROS, 62, engenheiro, é secretário municipal do Desenvolvimento Urbano e presidente da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização). Foi prefeito de São Paulo (1979-82).

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