São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 1994
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Elite foi seduzida pelo bicho, diz sociólogo

JOÃO BATISTA DE ABREU
DA SUCURSAL RIO

O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, professor da Universidade Federal do Rio, acusou a elite carioca de ter se deixado seduzir pelos bicheiros que controlam as escolas de samba.
Ele participou ontem de um seminário sobre o jogo do bicho, no Hotel Glória, organizado pela Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio), com a presença de sociólogos, antropólogos, historiadores e economistas.
"É vergonhoso vermos no Carnaval socialites disputarem um lugar nos camarotes dos bicheiros. Elas vendem sua dignidade por uma taça de champanhe e um pouco de caviar", afirmou Wanderley.
O professor da UFRJ atribuiu ontem a escalada do crime organizado no Rio à decadência operacional do Estado brasileiro.
"Aqui o governo governa pouco, não por que não queira, mas por que não consegue. Sem a universalização de um espaço em que prevaleçam a lei e a ordem, não é possível exercer a cidadania."
Frisou que o crime organizado existe em várias metrópoles. "A promiscuidade entre a sociedade sã e o crime, essa sim é nova."
O economista Carlos Lessa, professor da UFRJ, lembrou que o crime organizado opera com altas taxas de lucratividade. Dados da DEA (agência americana anti-drogas) mostram que no tráfico o lucro entre a zona produtora e as áreas de consumo passa de 1.000%.
"Isso pressupõe o interesse de parte da sociedade em consumir bens e serviços oferecidos pelo crime organizado", afirmou Lessa.
O antropólogo Roberto Kant, da Universidade Federal Fluminense, que acaba de editar um livro sobre a Polícia Civil, disse que no Brasil convivem dois modelos jurídicos.
"As representações constitucionais são modernas e igualitárias, mas o sistema jurídico na prática admite que determinadas pessoas têm mais direitos que outras."
Para Kant, cabe à polícia a função de adaptar as normas. "Por causa do papel de negociadora, ela está condenada à suspeição".
O historiador José Luiz Villar Mella, que conclui mestrado em História na USP, apresentou um esboço de sua dissertação sobre a história econômica do bicho na República Velha (até 1930).
Para Villar, já no final do século 19 a contravenção era vista como forma de ascensão social pelos imigrantes italianos, espanhóis e libaneses, que foram os primeiros a expandir o jogo do bicho no Rio.
Segundo o historiador, o próprio Barão de Drummond, que criou o jogo para financiar o jardim zoológico, foi o primeiro a propor que ele fosse reprimido, tal a dimensão que tomou.

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