São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 1994
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Candidatura oficial

O presidente Itamar Franco tem, como qualquer cidadão brasileiro, o direito de apoiar a candidatura para a Presidência da República de quem bem entender. Pode também cobrar dos membros de sua administração que apóiem o seu candidato ou deixem o governo. Ainda assim, os planos do Planalto de dedicar apoio total ao ex-ministro Fernando Henrique Cardoso, como esta Folha revelou na edição de ontem, esbarram em problemas.
Embora não ocorra no Brasil há muito, é absolutamente normal, nos países de maior tradição democrática, que o governo tenha um candidato e o apóie. Ronald Reagan não poupou esforços para eleger seu vice, George Bush, presidente dos Estados Unidos, em 1988.
Mesmo na menos democrática América Latina, o governo de Patrício Aylwin, que encerrou a ditadura de Augusto Pinochet em 89, apoiou Eduardo Frei, que conquistou a Presidência este ano sem que se recorresse ao segundo turno.
No caso brasileiro, porém, a situação é mais complexa. Antes de mais nada, o governo Itamar Franco é muito mais um acidente de percurso da história do que a expressão da vontade política da sociedade. A maior parte das forças que apoiaram o impeachment do ex-presidente Fernando Collor deram sustentação à administração Franco –ou seja, setores de quase todos os partidos do país. Por seus ministérios passaram de Luiza Erundina (PT) a Gustavo Krause (PFL).
Assim, cabe perguntar se Itamar agiria corretamente se exigisse que seus ministros apoiassem a candidatura de FHC, mesmo que isso implicasse trair sua legenda de origem. É bom lembrar que o gabinete de Itamar ainda é uma colcha de retalhos. Há, por exemplo, três ministros do PMDB, partido que terá candidato próprio à Presidência.
Um outro problema é que, ao menos nos planos iniciais do governo, a exigência de adesão à candidatura FHC não se limita aos ministros, mas se estende a inúmeros outros cargos de confiança. É correto tirar do governo um eventual bom técnico que desempenhe bem suas funções só porque não compartilha da opção política do Planalto?
É triste constatar que, no Brasil, uma operação tão simples e corriqueira como um governo apoiar uma candidatura esbarra em importantes dificuldades. Isso se deve certamente a sérias falhas no sistema político. Faltam, por exemplo, regras claras de fidelidade partidária e uma burocracia profissional, competente e estável para os cargos de escalões inferiores. O caminho para consolidar a democracia brasileira ainda é longo.

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