São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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O escândalo dos livros

"Les livres ont les mêmes ennemis que l'homme: le feu, l'humide, les bêtes, le temps; et leur propre contenu." *
Paul Valéry
Há quase um decênio, desde 1985, o Brasil vem investindo cerca de US$ 100 milhões de dólares ao ano no mais ambicioso projeto de distribuição de livros didáticos do mundo, que oferece gratuitamente material de aprendizado para 28 milhões de alunos do primeiro grau. O que poderia ser uma iniciativa mais do que louvável transforma-se num insulto a toda a sociedade –que afinal financia o projeto– quando se pára para ver de perto a qualidade do material distribuído.
Tamanha é a quantidade de erros grosseiros encontrados nas publicações, tão idiotizante é a sua concepção e o seu conteúdo ideológico –no pior sentido da palavra–, que, muito além de significar apenas mais um caso de mau uso do dinheiro público, o tratamento dispensado ao livro didático serve de termômetro da calamidade em que se tornou a educação no Brasil.
Com raríssimas exceções, livros didáticos, embora indispensáveis, trazem muitos problemas. São em quase todos os países um dos co-responsáveis, por exemplo, pela manutenção da chamada história oficial, que busca enaltecer ou adulterar episódios históricos com fins ideológicos bastante precisos.
Na URSS, Stálin fez apagar a imagem de Trótski das fotos oficiais. Os aliados da 2ª Guerra evitam comentar a inutilidade dos bombardeios contra Dresden, cidade sem objetivos militares arrasada quando a guerra já estava decidida. No Brasil, sucessivas gerações de obras didáticas também contribuíram para fomentar algumas das grandes mitificações nacionais, como, por exemplo, a democracia racial.
A atual geração de didáticos, porém, não só continua a mistificar a realidade, mas também comete erros banais, como embaralhar toda a taxionomia confundindo insetos e aracnídeos, e trata os alunos como verdadeiros imbecis, capazes apenas de repetir lições e fazer cópias.
Enfim, os livros didáticos não passam em sua maioria de um elenco de bobagens impresso em tiragens de dezenas de milhares de exemplares. O crime é tanto mais grave quando se considera que, além de jogar fora dinheiro público, se está ensinando toda uma geração a não pensar, ou seja, condena-se hoje o Brasil de amanhã.

* Tradução: "Os livros têm os mesmos inimigos que o homem: o fogo, a umidade, os animais, o tempo; e seu próprio conteúdo."

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