São Paulo, sexta-feira, 22 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Como vai você?

JOSÉ SARNEY

Rui Barbosa, velho, já com a morte à vista, estava percorrendo a Bahia, pedindo votos. Ele dizia: "Vou falar baixo, para que não ouçam que, nesta idade, ainda esteja mendigando sufrágios".
Por que os homens públicos não se aposentam?
Porque a política é um estado permanente de viver. É um desejo que não se acaba, esse de trabalhar pela coletividade, de consertar o mundo.
A melhor definição de homem público que conheço é de Tiradentes. Esse herói fanático deixa, sem as luzes da elaboração cultural, uma frase que diz tudo.
Está nos "Autos da Devassa". Lá, de passagem, há um depoimento de um "laranja", para atualizar a linguagem. Ele quer provar que o alferes conspira e, em frente a um espião do rei, afirma-lhe: "Eu aqui estou a trabalhar para ti". Tiradentes responde: "Eu, a trabalhar para todos".
Muitos me perguntam, e eu mesmo o faço: por que não aproveitei a oportunidade do destino, depois de ser presidente, e não fiquei a receber pequenas homenagens e pouco a pouco mergulhar nas sombras do fim?
Sempre respondo: "Não tenho temperamento para ficar em casa consertando geladeira ou a antena da televisão". Tenho a obsessão da vida pública, pensando sempre como posso ajudar o país, e ajudar-me a encontrar soluções.
Talvez sejamos, Artur Bernardes e eu, os dois que fizemos essa volta do cidadão comum. Bernardes que saiu, como eu, por motivos antagônicos aos meus, com incompreensões populares grandes, disputou uma cadeira de deputado. Muitas vezes, ainda o vi, eu, jovem parlamentar no Palácio Tiradentes, calado, isolado, mas atento a qualquer discurso. E se alguém abrisse o flanco numa posição alienada, o velho bradava pelas causas nacionalistas. Ele era o defensor do Brasil.
Eu, cá na minha modéstia, ao contrário de Bernardes que era condenado como autoritário, fui censurado por ser liberal demais, ter levado ao extremo a liberdade e a democracia. Ao contrário do que pensavam, era minha força e não a fraqueza.
Saí da Presidência, nem telefonemas de aniversário davam-me a honra de atender. Sem nada, sem ninguém. A quem encontramos? O povo pobre me recebendo em mãos de apoio. O que me levava? A vocação da vida pública.
Hoje, aqui estou, viajando para Porto Velho, eu mesmo um velho porto. O que me leva? O desejo de me ajudar a ajudar o meu país. Tenho mais que todos, como Bernardes, uma obrigação: defender o Brasil. Quem foi presidente, quem teve a ventura, ou a desventura, de provar desse saibo, jamais pode ter o direito de descansar.
Até porque, hoje, com a sociedade democrática, o presidente é um cidadão igual a qualquer um. E eu fico feliz, porque posso andar em avião de carreira e perguntar ao taxista: "Como vai você?"

Texto Anterior: Elogio a Hitler compromete Lula?
Próximo Texto: DECLARAÇÃO PERIGOSA (1); DECLARAÇÃO PERIGOSA (2); EU E O CRIME; COMENTÁRIO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.