São Paulo, sexta-feira, 22 de abril de 1994
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O projeto universitário paulista

JOSÉ MARTINS FILHO

A tradição do ensino superior no Brasil tem já mais de 150 anos, mas a experiência universitária em sentido pleno, entre nós, é ainda bem recente: começou em 1934 com a criação da Universidade de São Paulo e desdobrou-se, nas décadas seguintes, numa profusão e variedade de escolas que beira hoje a primeira centena.
Sabe-se que as universidades mais prestigiosas do mundo são várias vezes centenárias, bastando citar Bolonha, Oxford e mesmo, no plano sul-americano, a Universidade São Marcos e a universidade Santo Domingo, que ainda há pouco comemorou 450 anos.
Nesse sentido, é surpreendente que o Brasil tenha atravessado todo o período colonial e o Império inteiro sem concretizar o projeto (sem dúvida latente na época) da implantação de uma instituição que se dedicasse ao mesmo tempo ao ensino e à investigação clássica dos fenômenos.
Conhece-se a razão porque ela não surgiu na Primeira República: é que os republicanos temiam de um lado o liberalismo da Bastilha e de outro os "riscos" do ensino confessional católico. Tanto a burguesia cafeeira quanto a oligarquia cortesã preferiam mandar seus herdeiros a Coimbra ou, se podiam, a Roma. Mas quando se tratou de estabelecer as bases do projeto universitário paulista, na esteira do reordenamento econômico e político de um São Paulo pós-constitucionalista, foi ao pensamento francês que se recorreu.
O fato de que esse projeto tenha sido tardio mesmo em relação a seus correlatos latino-americanos em nada prejudicou as suas possibilidades de êxito. Talvez tenha mesmo permitido que ele surgisse em bases mais consentâneas com o século. Assim, quando a realidade do pós-guerra apontou para novas modulações do conhecimento científico, tornou-se possível, em curto espaço de tempo, planejar e construir uma universidade nova capaz de conjugar os anseios da investigação teórica à crescente demanda pela pesquisa tecnológica, juntando, de modo harmonioso, o modelo europeu ao espírito norte-americano. Foi com essas características que nasceu, em 1966, a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Pode parecer surpreendente (e de fato o é) que após o surgimento da Unesp (Universidade Estadual Paulista), terceira perna desse tripé, o complexo universitário público de São Paulo passasse a responder por mais de 50% da pesquisa acadêmica produzida no Brasil. É algo próximo do desempenho de algumas boas universidades internacionais e não há nada que se lhe compare no plano das instituições latino-americanas, aí incluídas aquelas cujos brasões já reluziam quando o Brasil ainda estava dividido em capitanias hereditárias.
Que elas tenham suas mazelas e enfrentem a dicotomia de pretender ser instituições sólidas num panorama social onde a viabilidade (e frequentemente a necessidade) das instituições é diariamente posta em xeque, isto só prova sua capacidade de resistência e sua condição de organismos singulares no bojo de uma sociedade que, curvada sobre si mesma, procura razões capazes de fazê-la recuperar sua auto-estima. É nisso que se é levado a pensar no momento em que a Unicamp, ainda estuante de juventude, entra em seu sexto período administrativo desde que Zeferino Vaz, o criador de escolas, plantou-a entre um par de suaves colinas no leste paulista.

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