São Paulo, sábado, 23 de abril de 1994
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Um velho de sete anos

JOSUÉ MACHADO

O jornal "Shopping News" publicou há alguns dias que o roteiro de Doc Comparato, "Hospital Brasil", "já velho de sete anos", pode ser filmado em breve. "Já velho de sete anos" é daquelas expressões transpostas do inglês ("seven years old") com o próprio caroço para nossa pobre língua. De vez em sempre uma dessas construções ou palavras alienígenas gruda no português –a língua, claro– e ameaça ficar, mesmo com bons equivalentes por aqui: "estória", "corner" (já mandado para escanteio), "performance" (desempenho), "standard" (padrão) e muitas outras. A mais comum das palavras maltraduzidas em publicações por aí talvez seja a inglesa "intelligence" em CIA, Central Intelligence Agency, sistematicamente maltraduzida por Agência Central de Inteligência, em vez de corretamente Agência Central de Informações.
Claro que ninguém vai querer substituir gol, de goal, por "tento", como já tentaram. Então, quando a bola entrasse, os locutores gritariam com os torcedores: "Tento!!!".
Não é o caso de "já velho de sete anos". Por que não algo da língua como "roteiro tal, de sete anos" ou "já com sete anos" ou "escrito há sete anos"? Essa expressão lembra o que se ouve de vez em quando em dublagens de filmes de língua inglesa, em que o mocinho, prestes a salvar a mocinha ou a própria pátria ameaçada, diz solene: "Farei o meu melhor!", tradução engraçada de "I'll do my best!", em vez de "farei o possível" ou "farei tudo o que puder!" ou "vou morrer por você, minha nega!".
O milagre da multiplicação
Dois anúncios de programas para computador prometem recursos extraordinários. Um deles, o "Redator Profissional" 3.0 para DOS, anuncia a inclusão de um dicionário de 1 milhão de palavras em português. Outro, o "Wordstar 7" para DOS, promete um corretor ortográfico com 6 milhões de palavras em português. Talvez haja pessoas distraídas que pensem tratar-se de 1 milhão de verbetes no primeiro caso e de 6 milhões no segundo. Os anunciantes não fizeram questão de ser claros nisso. Se fosse em chinês...
Ocorre que em nossa língua talvez não cheguem a 180 mil as palavras dicionarizadas. Pode ser que, reunindo o vocabulário do Brasil, de Portugal e o das ex-colônias, com seus neologismos e regionalismos, haja ao todo umas 300 mil à espera do grande dicionário de português que o professor Antônio Houaiss planejou.
Por isso é provável que os responsáveis pelos anúncios tenham se enganado. É quase certo que contaram também as palavras repetidas utilizadas para explicar o sentido dos verbetes, cujo número verdadeiro omitem discretamente. Como o Grande Marajá omitiu a natureza do golpe único com que nos livrou da inflação para sempre.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em Línguas Neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversas publicações diárias.

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