São Paulo, sábado, 23 de abril de 1994
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Latorraca rouba cena como médico e monstro

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"O Médico e o Monstro" tinha tudo para ser um "Mistério de Irma Vap" sem Marco Nanini. É o mesmo horror "camp" tirado do teatro do Ridículo, também o mesmo transformismo, também o mesmo sarcasmo que ri das palavras que fala e da própria trama. Nenhuma novidade, em princípio, para não assustar a bilheteria de tantos anos. Mas Ney Latorraca, sozinho, é uma grande novidade.
Marco Nanini era o comediante mais simpático em "Irma Vap". Não só engraçado – mas aquele em quem o público se reconhecia . Aquele que mais parecia respeitar as palavras e tirar delas o seu humor original. Não era ele quem saía do texto para gastar longos minutos com palhaçadas para o público. Também não era ele quem arriscava quase agredir, insultar o mesmo público.
Era Ney Latorraca. Ele não é nada como seu parceiro. Entre os dois há uma divisão que é clássica no teatro, entre o ator que interpreta o texto e o ator que é ponto entre Fernanda Montenegro e Cacilda Becker, ao que dizem os mais velhos. Marco Nanini é o ator, o grande ator. Ney Latorraca é a personalidade. É o que ele confirma e estabelece na nova peça.
"O Médico e o Monstro" é hilariante, chegando perto daquilo que fez o sucesso de "Irma Vap". É uma comédia escrachada em que Latorraca, dirigido pelo próprio Nanini, leva a fórmula aos limites da escatologia. Ele é o espetáculo, por mais que tenha coadjuvantes maiores, como Eliana Fonseca e o impagável Octavio Mendes. Ney Latorraca, como se diz, brilha.
A novidade de "O Médico e o Monstro" e do seu protagonista é que o risco que estão assumindo é muito maior do que o esperado. Aquilo que em "Irma Vap" era contido e envergonhado, para não espantar a platéia do Cultura Artística, na nova comédia é escancarado e insolente. A começar do transformismo. Desta vez, a montagem parece mesmo saída do teatro do Ridículo, de Nova York.
Não há mais o menor constrangimento em ter homens beijando homens, inclusive o próprio Latorraca, ou mulheres beijando mulheres. Ou um estupro, entre outras cenas de violência, que se confundem com a escatologia. Em algumas delas, Ney Latorraca, como Mr. Hyde, o Monstro, tem os seus momentos mais engraçados . Em outras, a peça é atemorizante, como num verdadeiro grand-guignol.
A passagem hilariante e típica de Ley Latorraca, porém, é mesmo como o Médico, o dr. Jekyll. Ou melhor, é quando ele está fazendo o Médico, mas não muito, pois ouve uma ária cantada por sua mulher e quase se transforma. Salta desesperado na poltrona, como em algum terreiro, até que a mulher desiste e Jekyll se levanta, fica parado ao lado dela, olha para a platéia e solta um palavrão.
E nada de prestar atenção ao texto; por exemplo, no solilóquio até que um pouco sério do Médico, logo depois do intervalo, quando se discute o bem e o mal. A cena passa sem ninguém notar, porque o melhor de Latorraca está mesmo no escracho, no brincar com o texto, ou no sair do texto. Não está sequer nas piadas, típicas do teatro americano. Está nele, na personalidade de Ney Latorraca.
"O Médico e o Monstro" é uma superprodução, com elenco de apoio poucas vezes visto no teatro, com cenografia grandiosa, ainda que algo americanizada, com números enfim criativos de comédia musical. Mas o melhor, o que interessa, é Ney Latorraca.

Título: O Médico e o Monstro
Autor: Georg Osterman
Quando: De quinta a sábado, às 21h; domingo, às 18h
Onde: Teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 258-3616)
Quanto: CR$ 12 mil

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