São Paulo, sábado, 23 de abril de 1994
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José de Abreu faz críticas à TV e se lança no teatro mambembe

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Decepcionado com a televisão, o paulista José de Abreu, 47, decidiu resgatar a tradição do teatro mambembe.
Em maio, assim que encerrar as gravações da novela "Sonho Meu", o ator deixa a Globo e cai na estrada.
Pretende percorrer o Estado de São Paulo a bordo de uma caminhonete colorida. Como companhia, apenas a mulher Ana Beatriz Wiltgen, 25, atriz.
Sozinhos, os dois –que vivem no Rio– querem repetir a sina das trupes ciganas. Pularão de cidade em cidade mostrando "A Comédia dos Amantes", peça de Luiz Arthur Nunes.
"Visitaremos o máximo de municípios possível. Em cada lugar, permaneceremos uns três dias", diz José de Abreu. O casal não fixou data para retornar.
O ator optou pela estrada por amor à profissão. Viajando, espera se reencontrar com o ofício que exerce há 25 anos.
"As telenovelas estão transformando o ator em funcionário público. Os textos são péssimos, o ritmo das gravações é infernal. Não dá mais para trabalhar assim", afirma Abreu.
"Estou me tornando displicente. Decoro as falas poucos minutos antes de entrar no estúdio, faço o que tenho de fazer e volto para casa. Tudo sem o menor sentimento. À noite, fico com a sensação que passei o dia batendo à máquina, como um burocrata, um funcionário público."
José de Abreu trabalha em TV desde 1980. Já fez 23 casos especiais, dez novelas e dez minisséries – quase sempre na Globo.
"De uns tempos para cá, o ator perdeu importância dentro das emissoras. A televisão criou a arte do não representar. Se pudesse, eu abandonaria definitivamente as novelas. Só continuo porque tenho três filhos para sustentar."
O ator acredita que a telenovela é um produto em decadência. "Comercialmente, o gênero ainda funciona. Mas, artisticamente, não tem mais para onde ir. Todos nós, que vivemos da TV, sentimos o declínio, sabemos que está na hora de procurar outros caminhos."
Para exemplificar a decadência, o ator cita a novela "Sonho Meu", em que interpreta o vilão Geraldo Vieira. "É o pior trabalho que já fiz. A trama não tem pé nem cabeça, está repleta de contradições. O próprio Geraldo é um personagem esquizofrênico. Um dia, dá porrada. No outro, chora como criança. Parece que os autores do texto não conversam entre si."
Com média de 50 pontos na Grande São Paulo, "Sonho Meu" está entre as três maiores audiências da Globo. Marcílio Moraes assina a trama, sob supervisão de Lauro Cesar Muniz. "O produto dá certo, não há por que modificá-lo. Errados somos nós, atores", conclui José de Abreu.
Lauro Cesar Muniz estranha as críticas do intérprete de Geraldo. "O Zé costumava nos ligar para elogiar o personagem. Não entendo por que mudou de opinião."
Muniz concorda quando o ator afirma que a telenovela está decadente. "O gênero vive mesmo uma crise criativa. Mas tenho certeza de que é um fenômeno passageiro."

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