São Paulo, sábado, 23 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mandela tenta acalmar empresários

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A JOHANNESBURGO

Foi um momento carregado de simbolismo: Nelson Mandela, líder do CNA (Congresso Nacional Africano) e provável futuro presidente sul-africano, discursando no plenário da Bolsa de Valores de Johannesburgo, o templo econômico do apartheid.
Mandela, que passou 27 anos dos seus 75 preso por se opor ao apartheid, levou uma mensagem de tranquilidade ao mundo de negócios. Prometeu reconstruir a economia com base nos princípios do livre mercado.
"Não há mais necessidade de ações de massa, uma vez que obtivemos o direito de votar".
Mobilizações, greves e os distúrbios a elas associados são um dos pavores dos investidores.
Ao tentar aplacar esses temores, Mandela sinaliza claramente que está consciente de que a reconstrução econômica do país que ele deve governar passa por um forte aumento nos investimentos privados.
Em 92, os investimentos caíram para 16% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da renda nacional), o mais baixo índice em 30 anos.
Por isso mesmo, Mandela disse que "a Bolsa de Valores de Johannesburgo terá um importante papel na reconstrução da economia".
A Bolsa de Valores de Johannesburgo, a capital econômica sul- africana, é o espelho mais nítido da concentração de riquezas em parte derivada do apartheid.
Seis grupos controlam 90% das ações nela negociadas. As empresas que fazem parte do pregão contribuem com 65% da riqueza gerada pelo setor privado.
Ao levar uma mensagem tranquilizadora a eles, Mandela sepulta, ao menos retoricamente, a imagem estatizante ainda associada ao CNA, principalmente porque seu movimento está associado ao Partido Comunista sul-africano.
A visita à Bolsa fecha um círculo de iniciativas destinadas a tranquilizar o empresariado às vésperas da eleição, que será realizada entre os dias 26 e 28 próximos.
Antes, o CNA já havia lançado um programa econômico em que está contemplada a austeridade orçamentária, outra menina dos olhos do empresariado.
Na quarta-feira, o principal economista do CNA, Trevor Manuel, informou que, logo após a posse, no dia 10 de maio, o novo governo pretende organizar um grande encontro com o empresariado.
O anúncio soou como uma proposta de pacto, imediatamente aplaudida pelos empresários.
"A comunidade empresarial ficará muito tranquilizada se souber que seus representantes estão envolvidos no diálogo com o novo governo", afirma Raymond Parsons, diretor-geral da Câmara de Negócios Sul-Africana.
Há um longo caminho na incipiente lua-de-mel entre um movimento com raízes na esquerda e um dos empresariados mais conservadores do mundo.
O CNA, em seu plano de governo, prevê investimentos de 39 bilhões de rands (US$ 11,1 bilhões) na área social e de infra- estrutura.
A maioria dos analistas externos ao CNA duvida que as ambiciosas metas do programa possam ser atingidas só com essa quantia.
Temem que o governo do CNA tente extrair mais recursos exatamente no único setor em que eles existem: a elite branca.

Texto Anterior: EUA enterram vítima de engano; Mais soldados da ONU deixam Ruanda; Itália começa a definir nome do novo premiê; Ex-líder guerilheiro é interrogado no Líbano; Coréia do Norte acusa EUA de tramar guerra; Religioso sofre atentado no Irã; Ucrânia quer manter Tchernobil ativa
Próximo Texto: Direita apela à sabotagem
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.