São Paulo, sábado, 23 de abril de 1994
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Igreja, política e saúde

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) encerrou ontem sua 32ª Assembléia Geral, divulgando dois textos que, pela influência que a religião católica exerce no Brasil, não podem passar sem comentários. São eles o pronunciamento político "Hora de Grande Decisão", acerca das próximas eleições gerais, e "A Serviço da Vida e da Esperança", ou, como diz o seu subtítulo, "mensagem sobre a prevenção da Aids".
O que mais chama a atenção é o contraste entre as duas publicações. A primeira é, sem sombra de dúvida, um serviço à nação. Coloca, de maneira clara e ponderada, o grande desafio do país que é o de quebrar o terrível círculo vicioso da miséria, da ignorância e da violência. Fala do natural desencanto da população para com os políticos e acertadamente condena a tendência que muitos terão de anular seu voto. De forma igualmente correta, descarta a opção por um partido, mas orienta os eleitores a prestar atenção ao compromisso social e ao programa dos candidatos e pede que os políticos que não cumpram certas exigências éticas sejam rejeitados. Se a maioria dos católicos seguir os conselhos dos bispos, a política no Brasil mudará para melhor.
De outro lado, porém, o segundo documento divulgado pelos representantes da Igreja Católica poderia ser classificado como profundamente lastimável. De fato, o texto faz uma veemente condenação das campanhas que incentivam o uso de preservativos como forma de evitar a disseminação da Aids, a única forma realista e relativamente segura de prevenção. Em seu lugar, os religiosos sugerem, candidamente, que as pessoas se abstenham do sexo fora do casamento.
Parece incrível que após 2.000 anos de existência e trato com os fiéis, a igreja insista em ignorar alguns dos traços da natureza humana e certos imperativos orgânicos. Os eclesiásticos, contrariando todas as evidências científicas, chegam mesmo ao despropósito de sugerir que as campanhas de prevenção à Aids poderiam contribuir para a disseminação do terrível mal.
Resta esperar que, mais dia menos dia, os representantes da igreja saibam exibir a mesma lucidez que demonstraram no campo da política para rever algumas regras que simplesmente não podem ser observadas pelos homens, nem mesmo por alguns clérigos. Até lá, que ao menos não atrapalhem as raras boas iniciativas do governo no paupérrimo campo da saúde pública.

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