São Paulo, sábado, 23 de abril de 1994
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Água de barrela

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Leio em anúncio nos jornais que o procurador Antônio Carlos Biscaia bateu na mulher, tentou obstruir a Justiça e recebe dinheiro de empresa. A acusação é feita por um deputado federal de quem eu nunca tinha ouvido falar. Por sua vez, o procurador, preventivamente, avisou que há uma caixinha organizada especificamente para difamá-lo. Chuva existe para isso mesmo: é para molhar.
Não vem ao caso se o procurador sova a mulher: é problema do casal. Não invalida suas provas. Ele podia fazer coisa pior do que sovar a consorte e apresentar provas fidedignas da bandalheira do bicho.
O que está em discussão não é a vida conjugal do procurador, mas o valor, a qualidade das provas que, a bem da verdade, até o momento em que escrevo a crônica, não foram apresentadas.
É aí que o procurador deve se mancar. Temer caixinhas faz parte da vida pública, contra ou a favor elas existem e como a chuva são feitas para molhar. O que parte da imprensa –e do povo– estranha e discute é a validade das listas.
Não são confiáveis desde o início justamente por causa do procurador Biscaia, que alimentou fragmentariamente a própria imprensa (certa parte dela) com nomes que atingiam membros do Judiciário superior –e no dia seguinte desmentiu-se. Evidente que ele nada devia ter informado até que obtivesse certeza de que não caira numa armação preparada pelos próprios bicheiros para melar e desmoralizar o combate ao bicho.
Quando Gregório Fortunato (também acusado, entre outras coisas de eventualmente ter dado umas e outras na mulher) foi preso no Galeão e interrogado sobre o mandante do crime da rua Tonelero que matou o major Vaz e provocaria o suicídio de Vargas –Gregório começou a citar nomes e nomes "para ver se tudo dava em água de barrela" (a expressão é textual e consta do processo).
Faltou –e ainda falta– serenidade ao procurador Biscaia para agir em nome da Justiça. Esse é o seu erro e não se precisa de nenhuma caixinha para chegar a essa conclusão. Se tudo isso der em água de barrela (ou em seu equivalente dos tempos atuais que é a pizza), só terá havido um responsável: ele próprio.

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