São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Arte reflexiva substitui infantilismo inicial

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os chamados "anos 80" para as artes no Brasil começam em 1984.
Fazendo eco ao que se passava no resto do mundo, uma exposição coletiva no Rio de Janeiro se propõe a fazer um balanço da produção jovem.
O que se expõe é uma versão selvagem (e, em geral, bem mais ingênua) das tendências da nova figuração e do neo-expressionismo que grassavam na Alemanha, na Itália e nos Estados Unidos.
"Como Vai Você, Geração 80?" é o equivalente tropical do "Aperto" organizado pelo crítico italiano Achille Bonito Oliva para a Bienal de Veneza de 1980.
Há uma aparência comum entre a produção local e o que se passa no resto do mundo. Alguns artistas descobrem a "liberdade" em relação às amarras dos cânones da arte moderna (aos impasses da abstração, por exemplo), apropriando-se de formas reconhecíveis nos trabalhos dos jovens colegas americanos e europeus.
A transposição dessas imagens para território brasileiro exclui, no entanto, questões prioritárias por trás das obras dos artistas estrangeiros. Não há mais a questão da identidade nacional (como nos alemães) ou da referência a um passado remoto (como nos italianos).
Fica uma espécie de tábula rasa dos dogmas da arte moderna em nome de uma relação mais "sensorial" e "prazerosa" com a arte. Uma relação bem mais infantil.
Agnaldo Farias, 38, curador do segmento "Anos 80 e 90" e professor de arquitetura e urbanismo da USP, reconhece a "persistente associação" feita entre a produção da época e estados de espírito como "prazer", "alegria" etc. Como se a liberdade em arte só pudesse ser alcançada com a volta a uma pintura ingênua, primitiva e selvagem.
A visão inicial da produção jovem da arte brasileira nos anos 80, que precisava alcançar sua identidade, como qualquer movimento, pela negação da produção imediatamente anterior, foi de uma espécie de infantilismo e voluntarismo, onde o prazer e o desejo (também de se impor como artista) tomaram o lugar da técnica, solapando muito do que podia ser uma reflexão mais aprofundada sobre o trabalho.
Dessa primeira fase, poucos nomes sobreviveram ao mero efeito de marketing cultural e mercadológico.
Dois exemplos: Jorge Guinle, considerado por Farias como "o grande pintor do período", exatamente por não ter se rendido às facilidades da tábula rasa e ter sabido incorporar uma reflexão permanente à obra. E Leonilson, que atravessou as diversas tendências da década, terminando por pintar com o próprio sangue (ambos morreram com Aids).
Paralelamente, em São Paulo, uma outra linhagem ia se desenvolvendo, encabeçada pelo grupo Casa 7 (Paulo Monteiro, Fábio Miguez, Nunco Ramos, Carlito Carvalhosa e Rodrigo Andrade), cujos trabalhos, inicialmente ligados ao neo-expressionismo, acabaram tomando rumos singulares.
Farias optou por uma "seleção enxuta" de 26 artistas que fossem representativos dos "vetores mais fortes da década" –que comportam nomes já conhecidos nos anos 70, como Tunga e Milton Machado.
"A minha preocupação foi tentar pôr os pingos nos iis. Reconheço que o epicentro foi no Rio. Reconheço o lado combativo, militante dos críticos. Mas o efeito dessa prática talvez tenha sido muito apaixonado, sem muito rigor conceitual", diz.
Sua seleção leva em conta o melhor da chamada "geração 80", sem descartar tendências paralelas ou que se desenvolviam à margem das fanfarras do marketing.
Para Farias, a produção da década de 80 está dividida em dois momentos ("Não existe movimento monolítico", diz). No primeiro, há uma discussão sobre a pintura, com o surgimento de uma grande quantidade de jovens artistas. No segundo, a produção passa a ser mais reflexiva.
"Há um esfriamento da pintura e junto com ela vem uma discussão relacionada à matéria. O objeto artístico passa a oscilar entre escultura, pintura e instalação", diz.
Desse segundo período, destacam-se os trabalhos de Jac Leirner, Frida Baranek, Paulo Monteiro, Nuno Ramos e Angelo Venosa. Há uma volta do diálogo com a produção anterior, conceitual e minimalista, com questões caras à arte moderna e que a primeira leva de artistas da chamada "geração 80" quis simplesmente ignorar.

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