São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Nada justifica intervenção no Rio

WALTER CENEVIVA

Os Estados são autônomos, na Federação brasileira, conforme está escrito no artigo 18 da Constituição. Providos de autonomia, são livres para resolverem com independência suas próprias questões político-administrativas. Essa é a regra básica a ser considerada, agora que se fala muito em intervenção federal no Rio de Janeiro, o que me parece –é bom esclarecer desde logo– um absurdo injustificável.
Sabe-se que a autonomia não conflita com as normas constitucionais sobre a intervenção da União nos Estados, ou destes nos Municípios. Ao contrário: essas normas são reforçadas ao afirmarem sua excepcionalidade e acentuarem a gravidade dos motivos que a podem determinar. Nenhuma das razões previstas na Carta Magna encontra paradigma nas situações encontradas no Estado fluminense. Li que o coronel diretor da Polícia Federal teria defendido a intervenção, como medida imprescindível. O livrinho não lhe dá razão.
O processo interventivo depende de elementos objetivos e subjetivos a serem apreciados em cada caso. A regra, porém, é a da não intervenção. As exceções surgem quando necessário manter a integridade nacional e assegurar a observância de princípios fundamentais para o desenvolvimento do Estado Democrático.
A ameaça à integridade da Nação pode ocorrer com invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra, o que é impensável. Pode verificar-se, ainda, em caso de grave comprometimento da ordem pública. Os fatos passados no Rio sempre tendem a uma ressonância maior, o que é natural depois de tantos anos funcionando como Capital Federal. Mas, observados serenamente, nada têm que se quer sugira perturbação irregular do livre exercício de qualquer Poder ou sacrifício de direitos fundamentais. Ao contrário: esse sacrifício tem ocorrido nos excessos cometidos na apuração das irregularidades.
O decreto e execução integram a competência privativa do presidente da República, mas a iniciativa não é dele. Depende de pedido do governador ou da Assembléia em caso de coação no exercício de suas funções. Depende de requisição do Supremo Tribunal Federal se a coação for contra o Poder Judiciário ou de outras cortes em casos especiais. Passa pela verificação do procurador geral da República se afrontados o regime democrático, a forma republicana, o sistema representativo, os direitos individuais, a autonomia municipal e a prestação de contas pela administração. Nada disso está acontecendo no Rio.
Supondo-se que o presidente da República saísse de sua prudência juiz-de-forana e deliberasse a intervenção, teria de explicitar os motivos alegados pelo autor da representação ou da requisição, a amplitude da medida. Indicaria os objetivos visados, o prazo de duração, as condições do processo interventivo. Se necessário nomearia o interventor.
Publicado, o decreto é submetido à apreciação do Congresso, além de poder ser discutido no Supremo Tribunal Federal se esta corte não houver requisitado a medida. Nos casos de descumprimento de lei federal, de ordem judicial ou ofensa de princípios constitucionais a apreciação congressual é dispensada.
Em qualquer caso, cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal, restaurada a plenitude da ordem constitucional. O Rio, apesar dos pesares, continua lindo. Falar em intervenção só enfeia a interpretação dos que não lêem atentamente a Constituição Federal.

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