São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Proposta retrógrada para a reforma do judiciário

SÉRGIO REZENDE

Proposta retrógrada paraa reforma do judiciário
Acompanhamos com preocupação, como de resto toda a sociedade, as marchas e contramarchas da revisão constitucional. Conflitos ideológicos, de um lado, e falta de vontade política, de outro, ameaçam comprometer a execucão dessa tarefa inadiável, destinada a limpar e modernizar a Constituição Federal de 1988.
Esperamos, ansiosos, que o Congresso revisor vote, no capítulo do Judiciário, medidas eficazes para agilizar os julgamentos, sem violar o direito das partes. A proposta apresentada pelo relator Nélson Jobim é anacrônica, retrógrada e viola os direitos fundamentais do cidadão.
Queremos reforma, sim, mas entre ela e a proposta de Jobim preferimos que a Constituição nesse capítulo, fique como está.
A idéia de criação de um controle externo do Poder Judiciário, que circula em alguns setores políticos e congressuais, é alarmante. A Justiça já dispõe de mecanismos próprios e eficientes de autocontrole. A pretendida presença de pessoas estranhas ao Judiciário num novo organismo de fiscalização soa como desejo de pressão política sobre este Poder.
Somos, igualmente, contrários à avocatória e à imposição das súmulas vinculantes dos tribunais superiores. Essas duas propostas afrontam o princípio do juiz natural, tirando-lhe atribuições e independência.
Imagine-se o juiz resolver não acompanhar as súmulas do STF, que passariam a ser verdadeiras "leis"; será, sem dúvida, responsabilizado administrativamente pelo Congresso Superior da Magistratura (inovação do art. 95 da atual Carta).
Grave é essa inovação, pela qual os juízes devem obediência à lei. Que devem, não há dúvidas, mas o dispositivo pretende limitar o poder interpretativo do juiz.
Trata-se de uma mordaça ao julgador consciente e probo e uma afronta ao princípio do livre convencimento, consagrado há mais de cinco séculos. O juiz que interpretar a lei contra a súmula superior estará afrontando a "lei" e poderá ser punido.
Será um golpe no Poder Judiciário Nacional, comprovando aquilo que as associações da magistratura vêm denunciando: a pretexto da revisão e de controle externo, procura-se emascular a função jurisdicional, violando-se reflexamente a autonomia e a independência do poder de julgar.
Rejeitamos, ainda, a vinculação a seus órgãos de origem dos juízes oriundos do quinto constitucional e a idéia de redução dos vencimentos da aposentadoria da magistratura, novidade que desestimularia sensivelmente novas vocações e que constituiria iniquidade para uma categoria que está impedida, por dispositivo constitucional, de exercer outra atividade.
Defendemos, em contrapartida, a unificação da 2ª instância dos Tribunais de Alçada e a permissão para que os Estados legislem sobre os juizados especiais. O futuro do Judiciário está nos juizados especiais civis e criminais, para causas de menor complexidade ou menor potencial delitivo, onde a oralidade e o entendimento devem prevalecer sobre fórmulas escritas e solenes.
Defendemos, igualmente, uma oxigenação de cúpulas, compondo-se os chamados órgãos especiais com desembargadores mais antigos e desembargadores eleitos por todos os magistrados vitalícios.
Reivindicamos –e levamos, entre outras, essa reivindicação ao Congresso revisor– iniciativas para atualização dos ritos processuais, defasados no tempo e no espaço, para agilização do sagrado dever de distribuição de Justiça.
Não pode o Congresso perder de vista as limitações de seu poder constituinte derivado, previstas na própria Carta (art. 60, parágrafo 4º). Os mais afoitos devem cercar-se de prudência para evitar um choque indesejável, levando o Judiciário a descumprir, por inconstitucionais, determinadas decisões, como a adoção de controle externo.
Numa democracia, os poderes devem ser independentes e harmônicos e não será negando esse princípio que o país alcançará o desenvolvimento econômico e social tão desejado pela sociedade.
O momento é de somar e não dividir. E apesar de nossa preocupação diante do impasse da revisão, acreditamos no espírito público do Congresso.
SÉRGIO JACINTHO GUERRIERI REZENDE é juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e presidente da Associação Paulista de Magistrados.

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