São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Abertura comercial brasileira é incipiente

EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Qual é a economia mais aberta das três Américas? Qualquer que seja o critério adotado –barreiras tarifárias, não-tarifárias ou grau de abertura– a resposta é muito clara: Chile.
O fato é surpreendente se levarmos em conta que o Chile, ao contrário dos EUA e Canadá, tem todo um passado de autarquia, protecionismo e crescimento por substituição de importações.
Há 20 anos, o grau de abertura da economia chilena não era muito diferente do que ainda prevalece hoje em dia no Brasil. As exportações, por exemplo, giravam em torno de míseros 12% do PIB.
í? Alguém poderia imaginar, é claro, que a abertura chilena não passa de uma sórdida conspiração neoliberal –uma jogada que pode até ter trazido vantagens para uns poucos, isto é, as elites locais ligadas ao capital internacional, mas que para a grande massa trabalhadora da população significou apenas mais miséria e exploração.
Qual tem sido, afinal de contas, o custo social de liberalização chilena e quem está pagando a conta?
Que a transição econômica, em qualquer país, seja um processo árduo e doloroso, ninguém nega. Mudar, dói. Mas os frutos positivos da mudança também não podem ser escamoteados.
Não seria talvez má idéia, para aqueles que exorcisam com tanto rancor o demônio neoliberal, examinar um pouco mais de perto os dados sobre a evolução do quadro social chileno.
É a própria Cepal quem informa que a proporção de chilenos em situação de pobreza vem caindo dramaticamente nos últimos anos, passando de 17% da população total em 1987 para 14% em 1990 e 9% em 1992.
O desemprego atinge apenas 4% da PEA e a economia cresce 6% ao ano, com uma inflação acumulada de 13% nos últimos 12 meses. Sete entre cada dez famílias chilenas possui casa própria.
Nenhum outro país latino-americano vem fazendo progressos tão expressivos na erradicação da pobreza quanto o Chile. A receita é uma combinação inteligente de dois conjuntos de regras necessários para uma convivência civilizada na economia e na política: mercado e democracia.
O Chile, é verdade, não é aqui. Embora tenhamos um passado comum de autarquia, protecionismo e substituição de importações, o fato é que a transição econômica brasileira vem ocorrendo a passo de lesma e ainda está apenas engatinhando.
Mesmo a tão propalada abertura comercial não passa, até o momento, de um processo incipiente. Se a economia chilena é hoje a mais aberta das Américas, a brasileira é a mais fechada.
Na última década, o fluxo mundial de comércio expandiu-se de forma acelerada. Apesar do crescimento das exportações, dos superávits na balança comercial e da redução tarifária iniciada em 1990 –sem dúvida um avanço–, o Brasil não acompanhou nem de perto esse movimento.
Ao contrário do que boa parte da opinião pública imagina, em certo sentido a nossa economia é hoje mais fechada do que era há dez anos.
A participação brasileira no total das exportações mundiais chegou a atingir 1,4% em 1984. Atualmente ela é inferior a 1%. Se o Brasil sumisse do mapa amanhã, poucos consumidores no resto do mundo se dariam conta disso. Nossas exportações no ano passado mal chegaram a 10% do PIB.
Há uma década, nossas importações representavam 9,1% do consumo doméstico. Em 1993, com tarifas reduzidas e a economia fora da recessão, o volume de importações brasileiras atingiu US$ 25,7 bilhões ou cerca de 6% do consumo doméstico.
O carrinho de luxo importado luzindo na avenida não engana. Mesmo a Índia –uma economia notoriamente fechada– importa algo em torno de 9% do seu consumo doméstico.
O que esses dados mostram é que o Brasil ainda tem um enorme espaço a ser conquistado na economia mundial. Ninguém reverte décadas de substituição de importações da noite para o dia.
Mas qualquer retomada do crescimento, em bases consistentes, daqui para frente, passa por uma maior integração de nossas atividades de produção e consumo aos fluxos de comércio internacional.
O mundo vai bem, obrigado, e não precisa do Brasil para prosperar. Mas o Brasil vai mal e jamais conseguirá encontrar o caminho da prosperidade sem o mundo. A curto prazo, pelo menos duas medidas poderiam contribuir para dinamizar o nosso comércio exterior.
A primeira é a eliminação da pesada tributação incidente sobre as exportações de manufaturados e primários. O sistema tributário existente foi todo concebido –se é que ele merece tal elogio– para uma economia fechada.
Imaginar que é possível exportar impostos equivale a fazer um gol-contra econômico. Esperar 45 dias para "receber de volta", sem correção monetária, parte dos impostos pagos, é juntar o escárnio ao absurdo.
É pena que nossos clientes externos não se disponham a pagar com o seu trabalho pelo desperdício do Estado brasileiro.
A segunda medida é a modernização dos portos. Muito se falou sobre o tema, mas, na prática, o que foi feito até agora? Um estudo do Ipea estima que portos eficientes tornariam nossas exportações mais competitivas e trariam um incremento de US$ 5 bilhões anuais de receita.
Isso representa a criação de 365 mil empregos. Eu me pergunto quantos milhares de Betinhos seriam necessários para conseguir um resultado dessa magnitude.
A médio prazo, o futuro das Américas pertence ao Nafta. O Brasil ainda tem um longo caminho pela frente, começando pela tarefa de desvencilhar-se de seu renitente e arrogante terceiro-mundismo.
Mas Chile e Argentina estão bem mais avançados nesse processo e devem ser os próximos da fila. O que parecia um sonho remoto para esses países está rapidamente se tornando realidade.
O Itamaraty já percebeu a "ameaça" e sabe que precisará de muita sorte e engenho para conseguir manter o Mercosul de pé. Vale lembrar que há males, contudo, que vêm para o bem.
A perspectiva de ingresso isolado da Argentina no Nafta pode se tornar um poderoso incentivo para acordar o Brasil de seu sono dogmático e acelerar a transição econômica em curso.

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