São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Câmara leva 18 horas para sepultar as diretas

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

São 8h35 da quinta-feira, 26 de abril de 1984. Tancredo de Almeida Neves, então governador de Minas, recebe um telefonema de seu assessor Mauro Santayana.
O plenário da Câmara dos Deputados havia rejeitado, na madrugada, a emenda Dante de Oliveira, que instituiria as diretas para a sucessão do presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo.
"Então, governador, agora tudo acabou," constata Santayana.
"Claro que não. Agora é que tudo está começando", contesta o governador.
O diálogo é exemplar do clima ambivalente naquele momento de crise de legitimidade em que o regime militar está mergulhado.
Estimativas da época dão conta que 5,5 milhões de brasileiros sairam às ruas para pedir as diretas-já.
Mas a emenda que viabilizaria esse projeto recebe dos deputados apenas 298 votos, 22 a menos que a maioria de dois terços, necessária à mudança da Constituição.
Faltam 263 dias para que a sucessão indireta se efetive no Colégio Eleitoral, que acabou se reunindo e elegendo Tancredo para a Presidência da República.
Os beneficiários virtuais da eleição indireta -o deputado Paulo Maluf (SP), o ministro do Interior, Mario Andreazza, e o vice-presidente Aureliano Chaves, os três do PDS, o partido do governo- acabam tropeçando, como candidatos, por representarem a solução de continuidade do regime.
Em suma, a campanha das diretas muda o rumo da história, mas sem as urnas, que seriam o único ingrediente que, segundo as pesquisas, oito décimos da população se recusavam a abrir mão.
A sessão que sepultou as diretas na Câmara dura 18 horas. É presidida pelo senador Moacyr Dalla (PDS-ES), na qualidade de presidente do Congresso.
Sem que para tanto houvessem entendimentos explícitos, a votação é conduzida de maneira a não terminar antes da meia-noite.
O temor é de que as vigílias cívicas nas grandes cidades terminem em depredações e violências, como tradução extremada do desapontamento popular.
Os governadores dos grandes Estados, todos da oposição -exceto Pernambuco e Rio Grande do Sul- poderiam ser forçados ao desgaste da repressão por meio de suas Polícias Militares.
Seria o meio de impedir que as Forças Armadas fossem chamadas para manter a ordem pública.
O Exército já controlava Brasília e municípios goianos vizinhos, em consequência das medidas de emergência decretadas pelo presidente Figueiredo.
O presidente argumenta que era para impedir que, durante a votação, "agitadores pressionassem o Congresso".
Os supostos baderneiros são, no caso, cidadãos que, de acordo com os serviços de inteligência, desembarcariam em cerca de mil ônibus, no Distrito Federal.
Operação de tamanha envergadura é desconhecida pela coordenação suprapartidária do movimento pelas diretas.
Seus dirigentes também protestam contra a proibição do governo de que emissoras de rádio e TV transmitam a votação.
"Pode ser que passe, mas acho muito difícil e, de qualquer modo, é preciso cumprir essa etapa", diz Tancredo a um deputado, na tarde de 25 de abril.
O resquício de dúvida ficava por conta de seu hábito de jamais ser enfático em suas grandes certezas.
E, de fato, nenhum mapeamento de votos no Congresso aponta, àquela altura, para a vitória da emenda Dante de Oliveira.
A oposição precisa somar, aos seus, 76 votos do PDS. Isso num primeiro momento, já que, no Senado, a hegemonia numérica do governo é maior e torna uma grande cisão mais problemática.
O grupo pró-diretas do partido do governo chegou a contabilizar 64 dissidentes na Câmara. Faltavam ainda 12.
Mas o bolo, em lugar de continuar a crescer com o fermento dos gigantescos comícios, murchou nas duas semanas que precederam a votação.
Motivo: Figueiredo sai da apatia catatônica que aparenta e, instigado por seus assessores diretos do chamado grupo palaciano, assume pessoalmente a ofensiva.
Passa a telefonar para deputados hesitantes ou a recebê-los no Planalto e na residência oficial da Granja do Torto.
Para romper o impasse político, encaminha ao Congresso emenda que prevê diretas, porém só em 1988. É uma forma de dizer que ele também é adepto das urnas, mas não para a escolha de seu sucessor imediato.
O fato é que o regime militar e seus aliados ganharam, mas não levaram.
Concluída a votação, 113 governistas estão ausentes, 65 votam"não", três se abstêm e um único oposicionista, Mendonça Falcão (PTB-SP) não comparece para votar.
As galerias da Câmara permanemsuperlotadas madrugada à dentro. Muitos transportam saquinhos com pétalas de flores para atirar sobre os parlamentares.
Moacyr Dalla anuncia o resultado e encerra os trabalhos.
Dentro e fora do Congresso, muitos, comovidos, começam a chorar. Em plenário, deputados partidários das diretas e o público se dão as mãos e cantam o Hino Nacional.
As pétalas ficariam para uma outra vez.(João Batista Natali)

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