São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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A "literatura feminina" está parada no tempo

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Como nós, mulheres, escrevemos mal! Ultimamente, toda vez que pego um livro de mulher nas mãos é este desgosto. Esgotou-se a espécie de fórmula da "literatura feminina". Será que ninguém percebeu? O universo literário feminino é limitado, cheio de conflitos insignificantes, que nascem do umbigo das mulheres e se encerram neles mesmos. É uma literatura umbilical, centrada no corpo: quem aguenta mais descrições de orgasmos, menstruação e parto?
Trata-se de uma literatura sem transcendência, absolutamente identificável –outro defeito grave. Por exemplo, quem escreveria deste modo senão uma mulher: "A presença de Angel que, de repente, se faz quase diária, este verão, é borbulhante e nova, torna a realidade, de algum modo, mais leve, traz a descoberta de que há músicas populares tão sensacionais (...). Tenso, acariciando pontuda e doloridamente os nervos, que prazer, que dor, o momento orgasmos nos discos da radiolinha portátil que Angel traz sempre consigo."
Difícil levar a sério. A literatura de mulheres parou no tempo, resultado que é do ainda movimento de libertação feminino, do feminismo, chamem como quiserem. No Brasil, o dito "boom" editorial dos anos 70 trouxe à tona dezenas de escritoras ou supostas escritoras. Os nomes são desconhecidos, mas existem, ou existiram, sabe-se lá: Amaline Issa, Eiko Suzuki, Farida Issa, Gema Benefikt, Ieda Inda, Ivna, Lausimar Laus, Maria Helena Chein etc., para não citar as que resistiram, equilibrando-se na corda bamba.
Soninha Coutinho, 55, é sobrevivente dessa inflação de escritoras. Principalmente contista, manteve-se no mercado. Publicou os romances "Atire em Sofia" (1989) e o "O Caso Alice" (1991). Mas seu texto não escapa dos tiques da literatura feminina.
Neste último lançamento, "Uma Certa Felicidade", conto que dá título à coletânea, eis que a temática é bem "feminina": uma mulher tentando encontrar a si mesma, reestruturar sua vida fragmentada por uma série de motivos que ela não identifica direito.
"Queria só contar minha história, mas sem cometer nenhuma omissão, partindo de todas as abordagens possíveis. E o principal obstáculo que encontro é o de estar eu mesmo no mundo, vivendo. (...) Uma coisa que sempre me espantou e chateou é o modo sinuoso e espatifado como se desenvolve a vida (...)."
Fórmula gasta, para tema velho, repetem-se no conto "Uma Mulher Sem Importância Nenhuma". Mesmo quando a narrativa envereda por certo experimentalismo formal, como em "Amigas (1), Ou a Liberdade Secreta", os artifícios linguísticos nem são novidade nem servem para superar a anedota do ser e estar mulher no mundo.

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