São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Albert Einstein vira personagem de ficção

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Romance "a clef"todos conhecem: é aquele cujos personagens são inspirados em pessoas reais, ocultas sob nomes fictícios. Daí porque necessitam de uma chave ("clef", em frances) para sua total compreensão. Outros há que à dispensam, pois não seria inapropriado classificá-los de romances de especulação. Dois exemplos recentes: "A morte de Napoleão", de Simon Leys, e "Sonhos de Einsten", de Alan Lightman, ambos traduzidos pela companhia da Letras, no final do ano passado.
Esse tipo de ficção não para de ganhar novoa adeptos. Um dos mais recentes é o francês Jean-Pierre Thibaudat, que em "L'Orson" (Actes Sud, 180 págs., 100 francos) imagina o que teria acontecido ao cineasta orson Welles se ele não tivesse morrido em 1985. E já possui até especialistas, como o norte-americano George Bast, autor de duas divertidas intrigas policiais estreladas pela escritora Dorothy Parker (e sua patota) e por Alfred Hitcock: "The Dorothy Parker Murder Case" e "The Alfred Hitchcock Munder Mystery", editados pela St. Martin's Press na década passada.
"The Murder of Albert Einsten", publicado um ano atrás pela Farrar Straus & Giroux, segue a mesma trilha detetivesca. Com uma diferença: seu epônimo personagem não participa da intriga de corpo inteiro – só seu cérebro. Afinal, a história se passa em 1990 e o único resto moral que de Einstein ainda existia há quatro anos era a massa cinzenta.
Existia e não existia. Ou melhor, havia sido roubada por um enfermeiro, em 1995, e só foi recuperada semanas atrás. Todd Gitlin, autor do livro, imaginou-a sob a guarda de um laboratorista quem em meio a exames para desvendar que elementos a teriam feito tão distinta das demais, termina por descobrir que o inventor da Teoria da Relatividade não morreu de morte natural, mas assassinato. O aneurisma que o levou deste mundo, 39 anos atrás, teria sido provocado por alguém.
Quem? A mando de quem? Para não estragar a surpresa dos futuros e eventuais leitores do romance, digamos que Einstein foi vítima de forças ocultas.
Doi amigos - o tal laboratorista e uma estrela do telejornalismo - juntam suas forças para conseguir identificá-las. Os dragões da maldade nuclear não lhes dão refresco. Tampouco os ajudam as insistentes cobranças de um produtor de TV, inteiramente abilolado pela perspectiva de transformar a obra de einstein num fantástico show da vida científica.
A despeito de todas as proezas de Stephen Hawking e da merecida atenção que atraem, o velho físico alemão continua sendo um superego pop, um ícone cultural imbatível em seu ramo de atividade. Os pôsteres não mentem jamais: Einsten é o Che Guevara da ciência, o Beatle da física.
Mas não foi por ciúmes de sua humilhante inteligência que o "mataram". Além de gênio da física, Einsten professava idéias sobre o relacionamento entre os homens que se revelaram tão incômodas quanto as que se puseram em xeque os 300 anos da mecânica newtoniana. Pacifista inflexível, alertou Roosevelt para o perigo das experiências nucleares, primeiro entre os nazistas, depois entre os próprios americanos. Resiltado: as bestas do apocalipse atômico se enfureceram. Consequência: colocaram esbirros do FBI xeretando a vida dele e acumulando malévolos dossiês a seu respeito.
A famosa foto com ele estirando a língua consolidou sua imagem de cientista louco. Louco manso, cujo temperamento não se afinava de todo com o do dr. Pardal & cia. Einstein trabalhava mais como um artista, privilegiando a intuição e a imaginação. Nas horas vagas, quando não jogava xadrez com Deus, tocava violino.
Idolatrado por estudantes e até pelos índios hopi, fazia questão de ser o mais simples dos seres humanos. Achava um luxo desnecessário cortar o cabelo e usar meias, protegia-se do frio com um modesto casaco de couro, desprezava todas as chamadas glórias. Ben Gurion tentou convencê-lo a ser presidente de Israel. Mas não fazia parte dos sonhos de Einstein ser líder de ninguém. Sonhava apenas com os mistérios do tempo e do espaço, fronteiras que as calvinianas reinações de Alan Lightman tiveram a decência de respeitar.
O livro de Lightman se passa em Berna, no "annus mirabilis" de 1905, quando Einstein virou a fisica pelo avesso. Nessa época, ele já estava casado com Mileva Maric, três anos mais velha, ao lado de quem ficaria até 1919, casando-se mais tarde com uma prima, Elsa. Suas cartas de amor para Mileva (ou Dollie, como preferia chamá-la) foram reunidas em livro por Juergen Renn e Robert Schulmann e editadas pela Princeton University Press ("Albert Einstein/Mileva Maric: "The Love Letters"). Como ela também estudava física, o idílio epistolar volta e meia é abruptamente interrompido por observações sobre termodinâmica.
Sim, os cientistas, como os brutos, também amam.
Einstein, ao menos quando era jovem, parecia atrair as mulheres. Enquanto escrevia para Mileva, uma outra jovem, também encatada por ele, levava suas roupas para a lavanderia.

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