São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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GAROTAS DO SÉCULO 21

MARIA ERCILIA GALVÃO BUENO

Tati Kwiezynski, 15, assistente de produção: "Se você souber ser esperta, sai na boa no machismo, sacou? Eu driblo legal. Isso é culpa da mulherada"
Se Júlia fosse se rotular hoje, seria "uma moça caseira". "Mas posso mudar de idéia amanhã." Júlia tem várias tatuagens negras pelo corpo. Diz que se enjoar delas um dia "provavelmente vai estar bem velhinha e a ciência vai ter inventado um jeito de removê-las". Namora um advogado há dois anos e toma pílula. "Se for o caso, uso camisinha."
Parece que elas ensaiaram juntas. Michelle Matalon, 34, atriz e produtora da peça "Pentesiléias" (atualmente em cartaz no Rio de Janeiro), confirma: "Qualquer bandeira é uma chatice". Pode ser. Mas Michelle é uma das responsáveis pela maior farra feminina já vista nos palcos brasileiros. São 12 mulheres no palco, mais um homem fazendo papel de mulher (Renato Borghi) e um solitário ator (Rodrigo Matheus) no papel de um Aquiles marcado para morrer. "Detesto estes guetos obrigatórios, tipo tem de ser gay, tem de ser preto. Eu mesma já sou minoria de tantas formas, sou judia e rica, por exemplo."
Bailarina por formação, Michelle já trabalhou no extinto grupo de dança Marzipan, e também com Gerald Thomas. "A gente discutiu isso no começo da peça, acho que as mulheres vivem num vácuo atualmente. Não tive de brigar para, por exemplo, trabalhar. Acho que meu pai, que veio do Egito sem nada e foi vender caneta Bic, é que brigou por alguma coisa."
Queira ou não, uma administradora de dinheiro não é coisa tão comum no meio teatral. Menos ainda, diretora.
Com a palavra, Bete Coelho, que dirige "Pentesiléias". Sob suas ordens estão atrizes como Petê Marchetti e Giulia Gam, por exemplo. "É uma porrada de mulheres lindas e inteligentes, está uma perfeição que eu não gosto nem de falar muito." Para ela, a peça aconteceu naturalmente, sem pretensão a levantar bandeiras (começa-se a notar a persistência de um argumento aqui...) mas é um passo importantíssimo para as principais envolvidas. "A Daniela (Thomas, cenógrafa, atualmente está dirigindo um filme em parceria com Walter Salles Jr.) escreveu um texto teatral pela primeira vez, eu dirigi pela primeira vez. Quanto à Giulia, é a primeira vez que eu vejo que ela tem suas próprias referências. É um ato corajoso, de sair da sombra."
Para Bete, o interessante hoje é ficar à vontade para ser mulher, com tudo o que isso implica. "É uma grande liberdade ficar em casa, assumir mudanças de humor, histerias." Para ela, a quantidade de mulheres da peça, seus temas, que giram em torno de relação entre homens e mulheres, com muito ciúme, paixão e traição, está incomodando muito. "Nos vêem como uma agressão, como se estivéssemos invadindo alguma coisa."
As críticas da peça no Rio também incomodaram Bete e Michelle. "Insistiram numa bobagem de ex-mulheres de Gerald Thomas. Ficou tudo num nível meio 'familiar', pequeno", diz Bete. Em compensação, ela diz estar tendo sua primeira experiência de casa lotada. "E o clima dos ensaios foi ótimo, está deliciosamente 'cozinha'. É bom que acaba com essa história de que muita mulher junta não dá certo."

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