São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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"Nego Dito" lança CD mas ouve vitrola

GEORGE ALONSO

O cantor e compositor Itamar Assumpção, vulgo Nego Dito, finalmente dá adeus à barraquinha. Aquela que montava a cada show, nos 80, para vender meia dúzia de "bolachões"em vinil. Catorze anos depois de surgir como revelação da vanguarda paulistana da MPB, lança três CDs no país. "E nem aparelho de CD eu tenho", diz.
Seria o fim da maldição? Ele imagina que sim. "Cartola ficou 25 anos lavando carros antes de aparecer. Clementina de Jesus foi doméstica até os 60. Isso continua comigo. É coisa de escravo: se não é artista, acaba na favela", afirma. Itamar está na penumbra desde 1988, quando teve seu quarto e último disco, "Intercontinental", lançado em CD na Alemanha. Aqui, ninguém sabe, ninguém viu, nem mesmo em vinil. Apesar do prestígio, ele vendeu, em toda a carreira, míseros 20 mil discos, de mão em mão.
Em maio, sai seu primeiro CD no país, com 13 canções de Ataulfo Alves (1909-1969). "Ataulfo está no subconsciente do brasileiro" , diz. Em junho, em temporada no Teatro Sérgio Cardoso, vai lançar o CD duplo "Bicho de Sete Cabeças", com 33 músicas – som urbano e versos afiados.
Nascido em Tietê (SP), casado há 18 anos e pai de Anelis, 14, e Serena, 17, Itamar, aos 44, mora na zona leste de São Paulo, em casa alugada com dois quartos e um jardim de orquídeas – que inspirou o nome do grupo de mulheres que o acompanha: Orquídeas Selvagens. Não tem carro. "Seu" telefone é uma extensão do vizinho. "Não vou fazer som sertanejo para ter casa no Morumbi. Se a obra é a soma das penas, pago e quero meu troco em poemas."
O ex-coroinha se considera filho de Xangô e odeia mar. "Meus antepassados vieram em navio negreiro", explica. A negritude é sua marca. Curte Miles Davis, Djavan, Tina Turner e Pelé. Mas sonha tocar com Marina: "Aguardo o chamado", brinca com o nome do disco da cantora.

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