São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 1994
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Diretas-Já, democracia sempre

DANTE DE OLIVEIRA

Já se vão dez anos de um dos maiores movimentos cívicos da nossa pátria. Nunca a nação esteve tão unida em torno de um só ideal como aconteceu com as Diretas-Já em 1984.
Aquela campanha expressou não só o civismo, mas também a pureza do povo brasileiro. Não se viu um quebra-quebra ou qualquer outro tipo de violência, apesar de a emenda ter tido como objetivo a derrubada de um regime marcado pela violência e pelo arbítrio.
A arma que usávamos era o peito aberto do povo, a nossa bala era a esperança de milhões de brasileiros de termos um país mais justo e humano.
O que me levou a apresentar aquela emenda foi a campanha eleitoral de 1982 em Mato Grosso. Pude perceber e sentir em todas as reuniões e comícios que o tema das eleições diretas para presidente da República era muito forte no seio da nossa gente.
Aquilo me marcou profundamente. Foi por isso que, antes mesmo de tomar posse, ainda em janeiro, comecei a colher assinaturas para a emenda constitucional. Era o meu primeiro mandato de deputado federal.
Quando a Câmara abriu seus trabalhos, no dia 15 de março de 1983, apresentei a emenda. Enquanto preparava sua apresentação, pela manhã, ocorria uma reunião da bancada do PMDB, na qual o também novato deputado Domingos Leonelli defendia a mobilização do partido pelas Diretas.
Nós, deputados de primeira legislatura, tínhamos pressa, sabíamos que daria para ir às ruas. Realizamos um dos primeiros atos do partido em Goiânia, em 8 de junho de 1983. Jovem e inexperiente, jamais imaginei que o povo pudesse responder tão fortemente e confesso que nem as lideranças nacionais mais calejadas imaginavam tamanha força popular acumulada.
Mas, mesmo com o sucesso relativo do ato em Goiânia, com a participação de cerca de 8.000 pessoas, o dr. Ulysses não deu a largada. Hoje reconheço que, do alto de sua sabedoria política, ele estava correto, pois conhecia mais do que ninguém o partido que presidia e sabia que o sucesso daquela empreitada dependia diretamente da unidade do PMDB. Somente no final do ano é que foi elaborado o calendário das Diretas, a ser cumprido a partir de janeiro de 84.
Lembro-me também que na abertura dos trabalhos do Congresso, no dia 15 de março de 84, das lideranças nacionais Tancredo Neves era a única que se encontrava em Brasília para conversar, sentir cada parlamentar, analisar de perto a conjuntura nacional. Eu, Leonelli e Hermann conversamos muito com o dr. Tancredo naquela manhã de domingo. Ao final ele me disse: "Os militares estão nervosos e pressionando muito. Não vai ser fácil, mas vamos continuar, pois a pressão popular será muito importante".
No histórico dia 25 de abril, há dez anos atrás, Brasília sitiada, buzinaços, corações e sonhos de milhões de brasileiros foram derrotados por 22 subalternos dos interesses mais mesquinhos de uma minoria que agonizava politicamente. Eram os estertores da morte.
Perdíamos uma batalha, não a guerra. O povo queria a vitória e a conquistou através de Tancredo Neves, respaldando a ida ao famigerado Colégio Eleitoral. Dez anos de democracia. Recuperamos o direito do voto, da participação, da organização partidária, sindical, a liberdade de imprensa. Derrubamos um presidente eleito sem que as instituições tremessem. Fomos capazes de institucionalizar a democracia, mas falta ainda algo mais profundo.
Quando, da tribuna da Câmara, encaminhei a votação das Diretas pela liderança do PMDB, já alertava que aquele movimento não era só para votar para presidente da República. Ele trazia algo mais forte, que era a esperança de mudanças econômicas e sociais. Infelizmente, nesse campo ainda não avançamos.
A sociedade civil e os partidos que derrubaram a ditadura não conseguiram ainda, até hoje, apresentar um projeto nacional alternativo ao modelo econômico imposto pelo regime militar.
A nação não pode continuar desorientada e sem planejamento de médio e longo prazos. Os trabalhadores não têm segurança, os empresários produtivos não têm orientação e regras fixas, as pesquisas não têm rumo, a nação desconhece o que virá no dia de amanhã. Urge abrirmos um novo ciclo de desenvolvimento sustentado na melhoria da qualidade de vida da nossa gente.
Neste ano ímpar de eleições simultâneas acredito que a mobilização popular possa gerar um Plano de Desenvolvimento Nacional que honre e recupere o movimento histórico das Diretas.
O Brasil tem de combater a cultura imediatista do povo e seus governantes. O pacto que deve ser selado é por metas que devam ser alcançadas para o país sair do subdesenvolvimento social e econômico. É o pacto pela educação, pelo saneamento básico, pela ciência, tecnologia e outras áreas fundamentais.
Falta-nos a democratização econômica e social. A democracia do salário digno, do emprego, da terra, da saúde, da educação, da habitação, do crédito público e das oportunidades para todos. Enfim, a democracia do Estado e da cidadania.
Diretas-Já, democracia sempre!

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