São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 1994
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Revolução dos Cravos 20 anos depois

PEDRO RIBEIRO DE MENEZES

Já se passaram 20 anos sobre aquele 25 de abril de 1974. A distância esclarece as posições dos arquitetos do movimento, define os contornos das suas linhas imprecisas, ilumina os contrastes polêmicos, dá formas mais nítidas a uma decisão que atingiu as certezas e as incertezas dos portugueses e que abalou as estruturas de toda uma sociedade.
Agora que se ultrapassam os ressentimentos, se esquecem os inconformismos e se acalmam as paixões, pode-se começar a analisar, com serenidade, as causas e as consequências de um apelo à liberdade lançado pelo entusiasmo e pela coragem dos idealistas de abril.
Olhada de qualquer ponto, conclui-se que a ação revolucionária do 25 de abril representa uma clivagem clara e irreversível entre "um certo antes" e o "depois a que se conseguiu chegar"; e que o movimento, ao romper barreiras, contribuiu para trazer Portugal à desejada modernidade.
O regime autoritário que em 1974 desapareceu da cena política portuguesa teve um primeiro trajeto no qual se podem encontrar pontos válidos. Corrigiu a instabilidade e os erros cometidos nos finais da Monarquia e nos inícios da República, equilibrou as finanças portuguesas, conduziu Portugal por fora de riscos de tragédia no período de 1939-1945, exercitou a sua diplomacia para beneficiar de vantagens no imediato pós-guerra e entrou, portanto, na década de 50 com um saldo promissor de estabilidade que lhe permitiria uma fácil integração nos trilhos democráticos.
Mas, ao reter o poder e ao ultrapassar o seu ciclo natural, o regime começou a isolar-se num círculo sem portas nem janelas para falhar em pelo menos três domínios essenciais para a prosperidade de um país e a sobrevivência de qualquer governo.
Descurou, por conveniência, as regras da convivência democrática, quer na estruturação dos poderes públicos, quer no terreno dos direitos e das garantias individuais. Não conseguiu propor um modelo correto para o desenvolvimento econômico de maneira a recuperar Portugal do seu atraso crônico e a retirá-lo das retaguardas da sua época.
Não teve a vontade de administrar por "motu proprio" o fim do império colonial, nem mostrou aptidão para responder à realidade e às pressões internacionais que mostravam que o direito à autodeterminação não era compatível com soluções ambíguas que apenas protelavam decisões e conduziam a adiamentos traumáticos e insustentáveis. Foi no terreno fértil destes três erros que se fixaram as raízes mais profundas dos "cravos de abril".
Antes do final da década de 50 e no decorrer dos anos 60, a sociedade portuguesa passou a experimentar a sensação de estar encerrada numa "cápsula" fechada aos ventos democráticos que corriam pela Europa e alheia aos horizontes de prosperidade que desabrochavam noutros países.
Considerada dentro de um quadro global –e apesar do florescimento de alguns setores de desenvolvimento e modernidade–, a vida política e econômica portuguesa deixava de corresponder aos anseios de uma população cada vez mais consciente de que as realidades além de fronteiras eram diferentes das realidades portuguesas e que as perspectivas oferecidas noutras paragens se apresentavam mais justas e atraentes.
Paralelamente, a vasta resistência à presença portuguesa na Guiné, Angola e Moçambique e a insistência na solução militar para a África aumentou em surdina o descontentamento de uma sociedade que se apercebia de que a "guerra" era inglória, não só porque dificilmente um exército convencional poderia enfrentar com êxito várias frentes de guerrilha, não só porque a história mostrava que a autodeterminação dos povos era uma realidade incompatível com regimes coloniais, mas principalmente porque a "força" exauria as limitadas finanças portuguesas e roubava o futuro à juventude, desviada para uma luta sem sentido, bloqueada nas suas mais legítimas aspirações de se realizar familiar e profissionalmente, deslocada no seu tempo em funções de uma conjuntura ultrapassada.
Finalmente as pressões internacionais, desde as hostis às bem-intencionadas, levaram os portugueses a aguçarem o exercício da crítica à situação apesar dos apelos ao nacionalismo isolacionista praticado pelo regime.
É neste contexto que se desencadeou o movimento de 25 de abril.
Não podemos contudo negar que, na primeira fase e durante algum tempo, muitos portugueses se inquietaram e vaticinaram desgraças, que outros foram compelidos a uma imigração precipitada e que se assistiu ao desmoronar de um "status quo" que, embora falso, tinha o conforto de uma rotina.
Mas parece-nos indiscutível que a maioria do povo português se emocionou com o movimento e o aplaudiu. Fê-lo na convicção de que a vitória sobre o passado estava escorada sobre figuras de comando e programas que permitiriam que a "revolução" evoluisse pacífica e serenamente no sentido de concretizar aspirações de liberdade, progresso e prosperidade.
Posteriormente, algumas soluções de continuidade provocadas pelo excessivo debate ideológico ou pelas "ilhas" revolucionárias levaram a tensões, a descontentamentos e a incertezas. Mas foi sobre essas incertezas e sobre as conquistas democráticas de abril que o povo português se lançou ao encontro da estabilidade política que lhe permitiu retomar o rumo do crescimento econômico e ampliar os horizontes de cultura para enfrentar, no seio da Europa, aberto ao mundo e em particular entendimento com o Brasil e os países africanos de expressão portuguesa, os desafios do século 21.

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