São Paulo, terça-feira, 26 de abril de 1994
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"Nada é Sagrado" critica lisura jornalística

SÉRGIO AUGUSTO.

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Cheia das insistentes cantadas de Fredric March (1897-1975), Carole Lombard (1908-1942) resolveu apelar para um gesto extremo. Extremo e eficaz. Convidou o galanteador em seu camarim e o recebeu com um imenso consolador de borracha na mão. Apavorado, March saiu correndo por onde havia entrado e nunca mais a molestou.
Pena que esta cena não conste de "Nada é Sagrado" (Nothing Sacred). Ela se desenrolou nos bastidores de sua filmagem, mas se o despudorado Ben Hecht (1894-1964) quisesse aproveitá-la no roteiro do filme, a censura da época daria o contra.
Lombard quase certamente toparia repeti-la diante das câmeras. Não satisfeita em ser a melhor comediante do seu tempo, também foi uma das atrizes mais estabanadas e desbocadas que por Hollywood já passou. Um azougue à altura das suas personagens.
As novas gerações a conhecem de dois clássicos da comédia: uma exibida mais de uma vez pela Globo ("Suprema Conquista") e outra lançada em vídeo ("Irene, a Teimosa"), ambas superiores a "Nada é Sagrado", quando nada porque Howard Hawks, autor da primeira, e Gregory La Cava, idem da segunda, entendiam muito mais do riscado que William Wellman (1896-1975), um dos mais prolíferos e versáteis diretores da velha guarda, mas que, até prova em contrário, nunca jogou no primeiro time.
E muito menos no da comédia, gênero em que poucas vezes meteu sua flácida mão. Ainda assim, "Nada é Sagrado" é tido por nove entre dez críticos como um clássico da sátira cinematográfica -é a mais importante criação de Wellman, ao lado de "Consciências Mortas" (o mais prestigiado western sobre linchamento) e do aventuresco "Beau Geste" (disponível em vídeo). A despeito de seus evidentes atributos, eu não a incluiria entre os melhores espécimes de sua classe.
Originalmente intitulado "Let me Live" (Deixe-me Viver), o roteiro de Hecht, experto em safadezas da mídia (além de ter começado na redação de um diário, escreveu a obra-prima das comédias sobre jornalismo, "A Primeira Página"), satiriza os abusos e a irresponsabilidade da imprensa mais com o sarcasmo enxuto de um Preston Sturges do que com a ironia sentimental de um Frank Capra.
Precisando desesperadamente de um furo, um repórter (March) descola no interior da Nova Inglaterra uma bela jovem (Lombard) com os dias contados e a transforma numa espécie de Cinderela mórbida da sociedade nova-iorquina.
Bem, o médico errara no diagnóstico. Mas a garota supostamente condenada a morrer precisa levar a farsa até o fim. Para não frustrar a má consciência coletiva nem o futuro profissional do jornalista, por quem, naturalmente, se apaixona.
Hecht e Wellman fazem picadinho da responsabilidade médica, da hospitalidade interiorana, da caridade e da solidariedade –para não falar da lisura jornalística.
As idéias do filme são tão boas que, mais tarde, renderam um espetáculo na Broadway e outra comédia ("A Farra dos Malandros"), com Jerry Lewis no papel de Lombard. Imagine uma versão debochada de "Adorável Vagabundo", de Capra, e você terá um trailer de "Nada é Sagrado".

Vídeo: Nada é SagradoDireção: William A. Wellman
Roteiro: Ben Hecht, a partir de uma história de James H. Street
Fotografia: W. Howard Greene
Produção: EUA, 1937
Elenco: Carole Lombard, Fredric March, Walter Connolly e Charles Winninger
Sinopse: Um jornalista de Nova York decide transformar uma moça vítima de contaminação por radium no assunto do momento. O diagnóstico é falso, mas a trama já está montada
Distribuição: VTI (tel. 011/283-3438)

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