São Paulo, terça-feira, 26 de abril de 1994
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Mostra lança debate sobre arte brasileira

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

A "Bienal Brasil Século 20" é um grande "show", com tudo de bom e ruim que isso significa. Para quem pretende visitá-la a partir de hoje, é prudente ter, além de tênis confortáveis, pelo menos duas horas disponíveis. Vale a sola.
O primeiro mérito da Bienal é indisputável. O esforço de reunir 921 obras de 240 artistas, de 1899 a 1993, é mais que bem-vindo.
O segundo é a forma de ocupação do Pavilhão da Bienal, criado por Oscar Niemeyer em 1954, no parque Ibirapuera. A montagem é arejada, não deixa a exposição assoberbar o espectador, ainda que a iluminação artificial seja fraca.
O terceiro mérito já não é tão óbvio. A exposição tem uma "tese", tem uma inteligência independente atuando por trás (o curador Nelson Aguilar), e isso evita o risco de cair no mero panorama retrospectivo. Não há a pretensão de uma imparcialidade robótica.
Mas a defesa concreta dessa teses –a curadoria– tem problemas que é obrigatório detectar.
A tese é plausível. Para Aguilar, foi nos anos 60 que a arte brasileira deu um salto de autonomia. No modernismo (anos 20 a 40) e abstracionismo (anos 50) os ensaios de originalidade em relação à arte mundial foram poucos e tímidos.
Sob tal diretriz, os módulos da exposição foram divididos do seguinte modo: no terceiro andar, pré-modernos, modernos e abstratos; no segundo (um andar maior que o terceiro), anos 60-70; e no primeiro, anos 80.
Essa divisão gera algumas distorções terríveis. Um dos injustiçados é Alfredo Volpi, que recebe apenas um painel, com cinco telas que servem para ilustrar sua "evolução" de figurativo a abstrato. Afora historicismo, isso é menosprezar um fator interno à arte brasileira, que independe de contexto internacional. Volpi foi dos mais influentes pintores do país –para além da questão da autonomia.
O panorama sofre prejuízos demais em favor da tese. Abstratos entre medianos e medíocres, como Fukushima, Pérsio, Raimo e Douchez, têm o mesmo ou maior destaque que Volpi –e nada que se possa chamar de autonomia para oferecer como lenitivo.
O terceiro andar sofre outras injustiças. Como Volpi, Zanini, Bonadei, Geraldo de Barros e Mohalyi são os únicos representados em várias fases –mas só para ilustrar a passagem figurativo-abstrato.
Outros, gente boa como Arcangelo Ianelli e Iberê Camargo, são emoldurados num só módulo (abstratos) –sua obra de lá para cá parece não existir. Exemplo: a última exposição de Iberê, de 1993, talvez o seu apogeu, não é representada por uma tela sequer.
Já no módulo dos 60 e 70, há um excesso de telas que não trazem essas datas. As últimas exposições de Fajardo, Ivens Machado e outros estão todas lá. Ainda que fossem maravilhas, mas não são.
Há mais problemas na "Bienal Brasil": ausências. Isso sempre acontece, mas algumas são bastante crassas: Krajcberg, Alfredo Ceschiatti, Carybé, Djanira.
Bem poderiam estar no lugar de inexpressivos como Maria Carmem, José Rescala e Edson Motta, ou de supra-representados como Sérgio Miguez, Ávila e Toyota. O que levanta outra questão.
É a escolha das obras de cada artista. As esculturas de Brecheret que estão lá não dão a medida de seu talento. Idem, para as telas de Lizárraga e as peças de Amilcar. E nos exemplos citados não haveria qualquer dificuldade na obtenção de obras mais adequadas.
Mas aqui se está a um dedal da crítica fácil. Afinal, a exposição também recupera o devido peso de alguns nomes: Visconti, João Fahrion, Maria Martins, Paim Vieira, Sheila Brannigan, Maria Helena Andrés, Escosteguy, Regina Silveira, Milton Machado –gente esquecida ou subestimada.
Como a "Bienal Brasil" não poupa ambições (acertadamente), há mais uma dúvida a apontar: será que ela prova sua tese?
Quanto a mostrar a "era de ouro" brasileira entre (digamos) 1964 e 1974, possivelmente. A inventividade e variedade do período são únicas. Esse estágio da exposição (miolo do segundo andar) faz vibrar qualquer tico-tico.
Agora, será que de lá para cá a peteca da autonomia formal continuou a se manter no ar? A exposição deixa dúvidas. O que Antonio Dias faz na tela "The Illusionist" (1974), Yves Klein e Jean Dubuffet fizeram nos anos 50.
O que Ângelo Venosa faz, a grosso modo Pino Pascali fazia nos anos 60. Mesmo os "Bichos" de Lygia Clark têm antepassado na "Construção Dinâmica" (47) de Anton Pevsner. Haveria muito mais o que citar. Esta discussão é a mais urgente de todas.

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