São Paulo, terça-feira, 26 de abril de 1994
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O que falam as urnas

CÉSAR MAIA

A recente eleição italiana reiterou tendências que vêm sendo sendo anotadas em quase todas as eleições entre 93 e 94. Claro que não se trata de nenhuma regra, mas de ambiente global no qual o Brasil também está inserido.
Uma primeira tendência é quanto ao esvaziamento do centro político. As eleições na Itália e na Argentina, nas últimas semanas, assim como as eleições na Espanha, na França, na Rússia, na Ucrânia, nos Estados Unidos e no Canadá mostraram um quadro polarizado entre direita e esquerda sem adjetivos. Curiosa situação. O que muitos esperavam era um quadro completamente diferente, em função do que se chamava de fim das ideologias.
As extremas –esquerda e direita– na Itália e na Argentina, somadas, superaram os 20% dos votos. Na Itália, depois de quase 50 anos de tendências de afunilamento no centro, os blocos à direita e à esquerda ganharam nitidez. Na Argentina, a esquerda tradicional venceu as eleições na capital, e a direita de Aldo Rico quase triplicou os seus votos, representando hoje 10% do eleitorado com forte base em vários pontos.
Felipe González –acuado pelo favoritismo da direita– optou pela ideologização do processo eleitoral, retomando o discurso de candidato da esquerda –sem adjetivos, "acusando" Aznar de direitista, conseguindo reverter o quadro eleitoral adverso.
As eleições na Europa Oriental não escaparam da regra: os comunistas recuperaram posições, e a direita assumida avançou extraordinariamente, como na Rússia. As eleições municipais norte-americanas, nas grandes cidades, conduziram ao poder os candidatos com nítidas e explícitas posições conservadoras.
As pesquisas eleitorais brasileiras mostram que não há mais constrangimento de o eleitor se definir por um candidato transparentemente de esquerda. Se valer o quadro internacional, seu adversário provavelmente não viria de uma opção de centro, mas desde uma posição conservadora.
Esse é um desafio e um risco que terão de assumir os candidatos do PMDB e do PSDB, já que ambos preferem arriscar uma candidatura de centro. O mais provável é que se imponha o que não tiver dificuldades de assumir uma posição de direita.
Outra anotação que deve ser feita é a importância crescente das campanhas diretas, ou seja, da prevalência do contato pessoal do candidato na rua sobre o uso e o abuso da trucagem. Esse aspecto é reforçado por outro: o perfil dos vitoriosos tem sido marcado pela mobilidade social, ou seja, pela possibilidade de ascensão que o candidato transmite com seu exemplo de vida.
Infelizmente, a questão da corrupção não tem tido a importância que se esperava. Não pesou nas candidaturas do partido de González na Espanha –pré-acuado por denúncias de corrupção–, não pesou na Itália das Mãos Limpas, já que o vencedor era o único nome atingido pelas denúncias, e não pesou na Argentina, onde o nome mais afetado pelo noticiário de cinco meses atrás obteve vitória tranquila.
Em recente seminário sobre marketing político, em São Paulo, foi dito –e concordado– que este não é um dado com o peso que se imaginava. Talvez pela generalização da imagem negativa dos políticos. Talvez pela banalização das denúncias.
Outra tendência no discurso dos vencedores tem sido o compromisso com a "ruptura", a rejeição à partidocracia –enfatizando as personalidades–, a crítica ao Estado e o uso da pequena burguesia como referência. O perfil dos vencedores tem sido sempre o da determinação, da autoridade e da transparência.
Um dos problemas que teve Occheto –líder das esquerdas na Itália– foi seu perfil cinzento de burocrata e suas dúvidas sobre quem governaria a Itália. A dubiedade –característica do centro político– tem sido exterminada. Que o digam a União Cívica Radical, na Argentina, e os desdobramentos da Democracia Cristã na Itália.
Finalmente, outra tendência importante tem sido a construção de blocos homogêneos. A tendência é bipolaridade tem como acompanhamento indispensável a assunção de compromissos claros e de uma base que de fato os realizará. Há nítida rejeição aos candidatos e partidos que em outras eleições apontaram para um baixo grau de identificabilidade (que mede as diferenças entre o discurso de campanha e a ação depois das eleições).
É claro que nenhuma dessas experiências é simplesmente conversível para o cruzeiro real. Por outro lado, se sabe que, sempre que se formam tendências políticas globais, em um grau maior ou menor, as realidades específicas não deixam de compor, a seu modo, esse quadro geral.
As eleições brasileiras não têm por que não sofrer essas influências.

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