São Paulo, quarta-feira, 27 de abril de 1994
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Mandela vai enfrentar fuga dos brancos

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL

Ken Owen, editor-chefe do semanário "The Sunday Times", aponta com absoluta precisão o dilema que infernizará a vida do novo governo sul-africano.
As pesquisas apontam que ele deverá ser presidido pelo partido Congresso Nacional Africano.
"Os líderes do CNA sabem que não podem adotar políticas do tipo 'saqueiem-os-brancos', o que levaria vasto número de pessoas a emigrar", afirma.
Owen diz que os líderes do CNA não "podem ignorar as demandas de seus seguidores por justiça, igualdade e restituição".
Para lidar com o risco de um êxodo maciço dos brancos, Nelson Mandela, virtual futuro presidente, tem feito reiterados apelos.
"Nós vamos precisar deles, vamos confiar neles", é uma frase que se tornou predominante na retórica de Mandela.
A questão é saber se os brancos também confiarão nele. Os sinais emitidos são contraditórios.
Também há uma fuga de capitais. Pelas estatísticas oficias, houve uma sangria equivalente a US$ 4,6 bilhões em 1993.
O economista do Nedbank, Edward Osborn, atribui a cifra a uma mudança de metodologia estatística e diz que a fuga real foi de US$ 3,1 bilhões. }É muito, admite.
Na outra ponta, estudo divulgado pela Southern Life prevê um aumento de investimentos correspondente a 6% do PIB (Produto Interno Bruto) este ano.
Se o investimento está aumentando, é porque há confiança no futuro, claro. Confiança, de resto, medida pelo fato de que a economia está crescendo.
Em 1993, cresceu 1,1%, após três anos de queda. Para 1994, a previsão é de um crescimento ainda maior (até 3%).
Tudo somado, o resultado desse aspecto da equação é uma incógnita que só o futuro resolverá.
Em relação às exigências da marginalizada população negra, o CNA diz que vai atendê-las.
Mas diz que os negros ententem que o plano do CNA não }será completamente implementado da noite para o dia.
Ele prevê a criação de 2,5 milhões de empregos em dez anos e a construção de 1 milhão de casas em cinco anos.
O CNA quer dar água corrente para 1 milhão de famílias e eletrificar 2,5 milhões de residências.
Mais: dez anos de educação grátis e de qualidade para todos. Custo global do programa: 39 bilhões de rands (US$ 11,1 bilhões).
A maioria dos economistas não acredita que haja dinheiro para tudo isso, ainda mais que o CNA garante que não aumentará o déficit orçamentário, que está na altura de 6% do PIB, o que já é muito.
A alternativa óbvia é aumentar impostos de quem paga. E quem paga são os brancos, porque são os que têm dinheiro. Este ano, 20% da renda dos brancos irá para o fisco e apenas 3% da dos negros.
Se o próprio governo não aplicar uma política do tipo "saqueiem-os-brancos", pela via dos impostos, corre o risco de que os saques sejam feitos diretamente pela população negra, com base na sua maioria numérica (76% contra apenas 12% de brancos).
Fica também aberta, portanto, a segunda face do dilema que Nelson Mandela terá pela frente quando se tornar presidente, a 10 de maio.(Clóvis Rossi)

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