São Paulo, quarta-feira, 27 de abril de 1994
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Dumping social

ANTONIO DELFIM NETTO

Entre os cínicos sempre circulou a idéia de que quando um governo coopta na academia um brilhante economista, ele quer uma de duas coisas: ou inspiração para uma excelente política econômica, ou justificativas inteligentes e sofisticadas para seus equívocos.
Antes mesmo do término da chamada Rodada Uruguai, que depois de 20 anos de discussões intermináveis (a Rodada Tóquio começou em 1974) produziu alguns avanços na direção do comércio livre e criou a Organização Mundial do Comércio, os países "desenvolvidos" começaram a sugerir novas formas de protecionismo.
O novo mecanismo é sutil e aparentemente suportados pela "boa" teoria econômica americana e pela nunca discutida preocupação francesa com os "direitos humanos"! Foi o próprio vice-presidente americano, Al Gore, quem colocou em Marrakesh a questão.
A benemérita idéia (que infelizmente chegou tarde para ser discutida no esclarecido "meeting" da CNBB) trata de criar uma nova figura de concorrência desleal: o dumping social.
Como todos sabem, os países desenvolvidos (particularmente a França) encontram-se envolvidos num duro programa de ajustamento à Comunidade Econômica Européia. A mão-de-obra começa a mover-se livremente para os "centros de atração" e o nível de desemprego cresce em algumas regiões. Esse fenômeno é ainda mais acentuado pela clara modificação da estrutura e qualidade do emprego, promovida pelos avanços tecnológicos das duas últimas décadas.
A idéia do dumping social é simples: os desenvolvidos supõem terem razões éticas e econômicas para impedirem a importação de produtos dos países que "exploram" a mão-de-obra barata que têm à disposição. É claro que a definição de "exploração" tem um significado extremamente diferente na China, na Coréia ou no Brasil.
Aqui procuramos cumprir os compromissos assumidos com a Organização Internacional do Trabalho. O que se esconde atrás dessa "ética humanista" é, na verdade, aumentar o emprego nos países desenvolvidos à custa de uma redução do emprego nos subdesenvolvidos. Como o salário que os miseráveis recebem é baixo, é "eticamente" recomendável deixá-los desempregados!
Os economistas sempre viram com suspeita um singular teorema da teoria do comércio internacional (Heckscher-Ohlin-Vanek), que prometia a igualização nos preços dos fatores de produção dos países envolvidos no comércio, porque ela não é visível a olho nu. Estudos recentes entretanto (Trefler, D. – "International Factor Price Differences", "Journal of Political Economy", december, 1993), sugerem que quando se leva em conta as diferenças de produtividade (que depende de todo o ambiente institucional) há mesmo uma remarcável igualização dos preços do fator trabalho, o oposto, portanto, do que afirmam americanos e franceses.
Fizeram pois muito bem o embaixador Luís Felipe Lampréia e o ministro Celso Amorim, quando rejeitaram como um "insulto" a insinuação franco-americana de que os baixos salários dos países que obedecem às recomendações da OIT eram um fator de desequilíbrio do comércio mundial.
Parece que os brilhantes economistas recrutados na academia por Clinton não estão servindo nem para uma coisa, nem para outra...

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