São Paulo, quarta-feira, 27 de abril de 1994
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Mais pobres

A reunião semestral do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional começou esta semana em Washington sob um tom animador: um novo relatório veio revelar que a expectativa de vida nos 55 países mais pobres subiu de 53 anos para 62 anos desde 1970, e que a mortalidade infantil no mesmo período caiu de 110 por mil nascidos vivos para 73.
Se suscitam alguma comemoração, esses indicadores precisam contudo ser analisados com cautela e não autorizam maior otimismo quanto à redução das enormes desigualdades que desfiguram a sociedade internacional. Há de fato indícios de que o abissal fosso que separa ricos e pobres não só não vem diminuindo como até se aprofunda e que, apesar de avanços tópicos, boa parte do Terceiro Mundo está ficando cada vez mais para trás na corrida pelo desenvolvimento.
Os anos 80, por exemplo, trouxeram para muitos países do Terceiro Mundo um verdadeiro –e trágico– retrocesso. Segundo o próprio Banco Mundial, na aqui chamada década perdida cada cidadão latino-americano ficou em média 0,6% mais pobre do que já era; cada habitante da África sub-saariana perdeu 2,2% da sua já exígua renda; e cada morador do Primeiro Mundo ficou 2,5% ainda mais abastado.
Em meio a esse cenário desalentador, a melhoria parcial dos dados anunciados em Washington pode ser explicada como efeito até inercial do próprio progresso científico. Parte das descobertas de remédios e vacinas nos países ricos cedo ou tarde chegam ao Terceiro Mundo e ajudam a reduzir a mortalidade infantil mesmo sem avanços mais sólidos na qualidade de vida ou renda de seus habitantes. Enquanto os 55 países do relatório reduziram sua mortalidade infantil em 33%, as 24 nações mais ricas baixaram a sua em 60% (de 20 para 8 mortes por mil nascimentos com vida).
Ao mesmo tempo em que justificam alguma celebração, os dados do Banco Mundial chamam também a atenção para o acirramento das desigualdades no âmbito planetário –problema, aliás, que os países ricos terão de contribuir para enfrentar, se não por razões éticas, por interesse próprio. Afinal, as levas crescentes de migrantes que trocam o mundo pobre pelo rico, e todos os problemas sociais e econômicos que levam consigo, não dão sinal de arrefecer sozinhas.

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