São Paulo, quarta-feira, 27 de abril de 1994
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Por uma Constituinte exclusiva

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O editorial de domingo da Folha, publicado na Primeira Página, oferta à meditação dos leitores os tropeços da abertura democrática, seus problemas insolucionados e sua esperança nas lições correspondentes a algumas conquistas reais nesta reaprendizagem de liberdade. Um dos pontos que mais profunda reflexão exige é o da readaptação da Carta Suprema às reais necessidades do país.
O evidente fracasso da revisão constitucional tem, todavia, colocado, para as pessoas mais preocupadas com o futuro da nação do que com meros interesses políticos imediatos, a questão de se o Congresso Nacional seria o palco ideal para esta revisão de profundidade.
Em 1985, quando foi aprovada e promulgada a emenda constitucional nº 26/85, a proposta do relator Flávio Bierrenbach de uma Assembléia Constituinte exclusiva, que trabalharia do lado do Congresso Nacional e que seria dissolvida tão logo promulgada a nova Constituição, foi fulminada por seus colegas, que não quiseram perder o privilégio de serem parlamentares e constituintes.
Quem detém o poder, de rigor, está mais interessado em mantê-lo do que em renovar estruturas e, quem não tem o poder, busca derrubar quem o detém, imbuído dos mesmos "superiores ideais" que se resumem em ficar com o lugar do outro.
À evidência, se o país tivesse uma Constituição em que a lei amarrasse e controlasse os detentores do poder, conduzindo-os a mais servirem o povo do que a do povo se servirem, haveria sensível diminuição do número de escândalos e a ética não se constituiria apenas em uma "vã palavra", brandida sem convicção pelos políticos, mas sim em algo vivido com naturalidade e consciência.
A Lei Suprema atual propicia os piores vícios de um regime democrático, quais sejam: o corporativismo, a multiplicação dos partidos políticos e proliferação de entidades federativas, os privilégios mordômicos "isentos do Imposto de Renda", tais como o benefício de carros sofisticados, de residências luxuosas, de viagens turísticas disfarçadas na busca do interesse público por conta dos contribuintes, além das "participações" no custo das obras públicas para "nobremente" financiarem-se campanhas eleitorais e de toda uma sequência de vantagens aéticas.
Há de se compreender, portanto, que os congressistas, que derrubaram a proposta de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva, não permitirão que a idéia renasça e que o país possa escolher um grupo de brasileiros idealistas, que aceitem, como autêntica missão, a elaboração de uma Carta Suprema viável, voltando a seus afazeres particulares tão logo encerrada sua patriótica tarefa.
Quem tem o poder não admite que outros venham a tirá-lo principalmente se estes outros pretenderem fazê-lo em benefício do povo e da sociedade a que o Estado deve servir.
Tenho conversado, nas palestras que proferi este ano pelo país, com inúmeros professores das mais variadas áreas, cidadãos representativos da verdadeira sociedade brasileira, que não se confunde com a "Versailles de Luís 16 no século 20", que é Brasília.
Muitos desses mestres, que nunca concorreriam a qualquer cargo eletivo por falta de vocação ao "banditismo oficial", na expressão de um deles, concordariam em disputar uma vaga numa Constituinte exclusiva, estando dispostos a deixar suas atividades atuais, por três, seis ou nove meses, a fim de ofertar um texto definitivo para o Brasil.
São desses brasileiros que o país precisa. Daqueles políticos que disputam a reeleição e que fizeram desta terra o que ela é hoje, uma sociedade medieval com brasileiros de primeira categoria, que são os governantes, e de segunda categoria, os que estão fora da "corte brasiliense", o Brasil já está farto.
O fracasso da revisão constitucional, que gerou apenas uma pobre emenda provisória para aprovar o plano de emergência do presidente Itamar, está a demonstrar que o Brasil precisa mais do que nunca de uma Constituinte exclusiva.
Composta por brasileiros que não pretendam fazer carreira, e que, portanto, farão um texto, não para seus próprios interesses políticos "imediatos e pequenos", mas para alicerçar o futuro de uma nação gigantesca, resgatando o povo massacrado por aqueles que não o sabem governar e não querem deixar o governo.
E a forma ideal para que uma Constituinte exclusiva viesse a ser aprovada seria cada eleitor votar apenas para deputado ou senador naquele candidato que se comprometesse, perante a Justiça Eleitoral, em lutar, desde o primeiro dia de seu mandato, para a convocação de uma Constituinte exclusiva.
Em outras palavras, apenas políticos que não quisessem ser constituintes e que lutassem, quando eleitos, para a convocação de uma Constituinte exclusiva deveriam merecer o voto dos eleitores.
Só assim teríamos, um dia, uma Constituição melhor e, mais do que isso, políticos melhores do que aqueles que infestam os corredores do poder, nas três esferas de governos, ressalvadas algumas exceções.

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