São Paulo, quinta-feira, 28 de abril de 1994
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Buthelezi ameaça abandonar as eleições

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A JOHANNESBURGO

O líder zulu Mangosuthu Buthelezi ameaçou ontem abandonar o processo eleitoral sul-africano, se não houver a prorrogação da eleição por ao menos mais um dia (até amanhã).
Ele também exige que sejam sanadas as irregularidades verificadas nas votações de ontem e anteontem.
A ameaça de Buthelezi lançou sombras sobre um dia histórico para a África do Sul, o dia de sua primeira eleição multirracial, que marca o fim do apartheid, o regime de segregação racial.
Para entender a razão das sombras, é preciso levar em conta o seguinte:
1 - O Inkatha Partido da Liberdade, liderado por Buthelezi, se recusava a participar da eleição até terça-feira da semana passada.
Ele exigia autonomia para os zulus, a maior etnia negra, com cerca de 8,3 milhões de pessoas em um total de 40,2 milhões.
2 - Em razão do boicote à eleição, surgiram conflitos violentos basicamente entre militantes do Inkatha e do partido Congresso Nacional Africano, multirracial, mas cuja cúpula é basicamente xhosa (terceira etnia, com 2,5 milhões).
3 - No dia 31 de março, os conflitos levaram à decretação do estado de emergência em KwaZulu-Natal, a Província onde vive a maioria dos zulus.
Desde então, a escalada continuou a tal ponto que morreram 291 pessoas apenas em incidentes de fundo político.
4 - A decisão do Inkatha, há uma semana, de finalmente participar reduziu as tensões e parecia afastar o fantasma de mais uma guerra política e tribal, recorrente na história africana.
Com esses antecedentes, fica fácil entender como foi sombria a reação das principais lideranças políticas e oficiais à ameaça de Buthelezi.
Seria "uma tragédia", disse Johann Kriegler, presidente da CEI (Comissão Eleitoral Independente, a Justiça eleitoral sul-africana).
"Estou profundamente preocupado porque, se a eleição não for bem-sucedida, haverá sérias implicações", afirmou o presidente Frederik de Klerk, líder do Partido Nacional.
"Não vai contribuir para a paz, a estabilidade política e a democracia na África do Sul", disse Pallo Jordan, chefe de Informação do CNA, tido como provável vencedor do pleito.
As sombras criam uma cruel ironia. Houve um elevado comparecimento às urnas, apesar da onda de terrorismo dos últimos dias, que prosseguiu ontem com outro carro-bomba explodindo no aeroporto de Johannesburgo.
O comparecimento sacramentou o fim do apartheid, evento comparável, para o racismo institucionalizado, à queda do Muro de Berlim para o comunismo.
"É o fim da última oligarquia racial do mundo", como diz o jornalista sul-africano Allister Sparks.
Mas esse fato de proporções históricas ficou turvado pelo que, no fundo, são meros problemas administrativos.
Faltaram cédulas, urnas e tinta para marcar o dedo dos eleitores.

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