São Paulo, quinta-feira, 28 de abril de 1994
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Goiabada

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Goiabada tem cara de goiabada mesmo. Basta olhar para ele, ninguém precisa fazer esforço de memória ou vocabulário, o apelido vem natural, instantâneo, inapelável: Goiabada. Falei mal ao falar em apelido. Nunca se ouviu dizer que Goiabada tivesse um nome, fosse João ou Osmar, Antero ou Agenor –embora, com algum esforço, possa também ser Agenor, seria a segunda opção para o segundo turno no caso de uma consulta às bases.
Nunca ninguém ouviu Goiabada falar alguma ou qualquer coisa. Chapéu de palha enterrado na cabeça, um pouco de lado, ri quando alguém o cumprimenta ou quando ele próprio cumprimenta alguém.
O pessoal da pelada o convoca quando há vaga nos times. Goiabada é ruim de bola, levanta a perna e a bola passa por baixo, mas é dócil, plácido, só ele aceita ir para o gol na hora dos pênaltis. Com Goiabada no gol vale encher o pé, nada de se colocar a bola nos cantos, ele já foi parar no Miguel Couto depois de uma bolada que o pegou desprevenido.
Quando a bola cai nas casas muradas, ele é quem pula o muro e vai enfrentar os cachorros ou a cólera dos donos. Todas as missões de sacrifício são dele.
Goiabada torce pelo Vasco, nasceu vascaíno de igual forma que nasceu com cara de goiabada. Sua mãe foi empregada naquela casa vizinha a que morava o general Álcio Souto, lá para os lados da Fonte da Saudade, parece que nasceu aqui mesmo, em volta da Lagoa, da Lagoa nunca saiu, só atravessa o túnel para ir ver o Vasco jogar.
Último domingo, depois do jogo, os carros vinham do túnel, quando chegavam na Lagoa buzinavam, faziam festa, festa de Flamengo é humilhante, letal para quem não é Flamengo.
Depois foi todo mundo embora e houve um grande silêncio. De minha varanda, vi alguém colocando uma vela junto à árvore onde Dener morreu, semana passada. Mesmo de longe, não foi difícil saber que era o Goiabada.

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