São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 1994
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A última batalha da cidadania

LUÍS NASSIF

Com a Folha empunhando a bandeira da Constituinte exclusiva –formada por candidaturas individuais, de não-candidatos a cargos eletivos– entra-se na fase definitiva da grande luta pela recuperação da cidadania e pelo ingresso do país na era da modernidade.
O primeiro tempo desta luta foi no fim dos anos 70 e primeira metade dos anos 80, com as grandes campanhas pela recuperação dos direitos civis que romperam a couraça da ditadura, mas abriram espaço para um amplo loteamento do Estado por grupos políticos organizados.
O auge deste processo ocorreu na elaboração da Constituição de 1988, quando interesses corporativistas, empresariais e políticos, retalharam o Estado com a voracidade de gafanhotos famintos.
É verdade que a ausência de um grupo político hegemônico se, de um lado, permitiu o assalto indiscriminado ao Estado, por outro abriu espaço para que grupos políticos responsáveis rompessem pela primeira vez com o cerne da corrupção institucional: o centralismo tributário e administrativo, que inclusive tinha plena acolhida junto aos meios intelectuais mais cosmopolitas.
Mas no geral a Constituição consagrou a preponderância de interesses particulares sobre os interesses gerais e a institucionalização da corrupção mais rasteira como instrumento de ação política.
A atuação destes grupos organizados acabou criando um ambiente irrespirável para o conjunto de cidadãos do país. Só tinha espaço para crescer quem se organizasse politicamente para explorar o Estado. Quem não se organizasse, que pagasse a conta.
O segundo tempo
O segundo tempo do jogo foi a eleição do primeiro presidente pelo voto direto, brandindo a bandeira moralista e anti-corporativista da despolitização do Estado. É óbvio que Fernando Collor jamais foi o paladino da moralidade. Mas deixou uma contribuição fundamental para o amadurecimento político brasileiro ao elaborar o discurso da modernidade ao mesmo tempo em que permitia, com sua falta de limites, que os abusos do modelo político brasileiro saíssem do porão para a sala de visitas.
O segundo tempo completou-se com a opinião pública insurgindo-se contra seus abusos e deflagrando a campanha do impeachment com todos seus desdobramentos posteriores –CPI do Orçamento, escândalo do bicho e os futuros escândalos que inevitavelmente virão por aí.
Agora, entra-se na terceira e definitiva etapa de modernização, que é quando o sentimento de cidadania evolui da mera contestação aos desmandos políticos para a consciência da necessidade de recuperar o direito de definir as regras do jogo institucional.
Objetivos maiores
Embora os objetivos finais desta campanha pela Constituinte exclusiva pareçam inatingíveis –como a bandeira das diretas-já no seu início– está-se pavimentando uma evolução radical no conceito de cidadania e na nova ética a imperar nas relações político-institucionais.
Chega-se a um ponto sem retorno, recuperando os princípios esquecidos do Manifesto Republicano de 1870. Loteamento do Estado, indicações políticas para estatais, tratamento favorecido em instituições de créditos oficiais, tudo será jogado na vala comum dos crimes contra a cidadania. E a defesa de privilégios corporativistas ou regionais, sem legitimidade, no fosso das práticas condenáveis e não aceitas.
Há uma grande luta pela frente, demorada, custosa, mas sem retorno. Vencida a última grande batalha, não haverá força que impeça o país de cumprir sua vocação de grandeza –até hoje não concretizada exclusivamente por culpa deste modelo político espúrio.

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