São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 1994
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Vida de mendigos é tema de melodrama

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: Alguém para Dividir os Sonhos (The Saint of Fort Washington)
Produção: EUA, 1993
Direção: Tim Hunter
Elenco: Matt Dillon, Danny Glover, Rick Aviles
Salas: a partir de hoje nos cines Cal 3 e Paulista 4

Os miseráveis vêm sempre em duplas no cinema americano.
Em "Perdidos na Noite" (John Schlesinger, 1969), Dustin Hoffman e Jon Voight dividiam um buraco num prédio de Nova York condenado à demolição.
"O Espantalho" (Jerry Schatzberg, 1973) era uma espécie de "road movie" de pedestres protagonizado pelos mendigos Al Pacino e Gene Hackman.
A primeira novidade de "Alguém para Dividir os Sonhos", nestes tempos de correção política, é que os dois pés-rapados são um branco (Matt Dillon) e um preto (Danny Glover).
O primeiro é o jovem Matthew, abandonado pela família de classe média por ser esquizofrênico. O segundo é um ex-soldado e ex-comerciante que caiu na sarjeta porque a mulher o trocou por outro.
Os dois se conhecem no gigantesco abrigo para mendigos Fort Washington, em Nova York. Mostrar esse insólito lugar –um galpão ocupado por centenas de camas, como num pesadelo kafkiano– é o maior mérito do filme.
Se no aspecto documental, de registro das condições de vida dos "homeless" nova-iorquinos, o filme se salva, no aspecto dramático ele escorrega irremediavelmente para a pieguice e a mistificação.
Jerry representa, na dupla, o pólo da esperança. Tenta convencer Matthew de que, com esforço e bom humor, os dois podem limpar vidros de carros até ganhar o suficiente para alugar um quarto e montar uma banca de frutas.
Matthew não tem muita esperança, por causa de seu problema mental, mas é puro como um santo, como sugere o título original. Não apenas é isento de mácula e ajuda todo mundo como, de repente, começa a fazer milagres.
Se o filme assumisse uma vertente mística ou fantástica e a levasse até o fim, tudo bem. O problema é que fica a meio caminho entre o documento social, a parábola religiosa e o melodrama piegas –e este acaba prevalecendo.
O mais grave é dar a idéia de que: primeiro, a miséria é um fenômeno individual e aleatório, provocado pelo "destino"; segundo, para escapar dela basta ter fé e boa vontade.
Para os americanos, pode colar. Aqui, o buraco é mais embaixo.

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