São Paulo, sábado, 30 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O desacordo rural

PEDRO DE CAMARGO NETO

O Plano Color 1 provocou enorme distorção no crédito rural. O passivo do agricultor ficou de um momento para outro muito maior do que seu ativo. Para os contratos com origem de recursos nas exigibilidades bancárias, o aumento do passivo em relação ao ativo foi de aproximadamente 30%. Para contratos com origem de recursos na caderneta verde a distorção variou de 30% a 100% dependendo do dia do mês da assinatura do contrato.
A distorção de 30% ocorreu também com alguns outros tipos de contratos não rurais. A mudança no sistema de indexação da economia com o desatrelamento da BTN do IPC provocou inúmeros distúrbios.
Os agricultores, e demais brasileiros, que sofreram esta distorção, de uma maneira geral sobreviveram. Os agricultores que sofreram a distorção maior, da caderneta, impossível de ser absorvida no curto prazo, tornaram-se inadimplentes.
Fora do setor rural, somente no sistema habitacional, também vinculado com a caderneta de poupança, existiu distorção superior a 30%. Neste caso porém o Tesouro Nacional absorveu integralmente a distorção através da chamada equivalência salarial.
Os agricultores com contratos da caderneta, ao serem considerados inadimplentes, foram multados, extorquidos com juros mirabolantes, jogados na marginalidade pelo sistema oficial de crédito rural. Os que não venderam suas propriedades, ou recorreram ao Judiciário, rolaram suas dívidas em um sistema em que o agricultor fingia que pagava e o banco que recebia. Passava da hora de colocarmos os pés no chão.
Durante 1990 e 1991, as entidades de agricultores tentaram equacionar uma solução. Fracassaram. Recorreram à Procuradoria Geral da República também sem resultados. A questão foi sendo levada de uma maneira típica brasileira, totalmente desorganizada e com alto custo social. Os agricultores que recorreram ao Judiciário foram obtendo vitórias inclusive nos tribunais superiores.
Em 1993 o Congresso Nacional abraçou a questão. Através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi analisada a política agrícola de uma maneira geral e o endividamento em particular. No dia 15 de dezembro, após meses de trabalho e dezenas de depoimentos, o relatório desta CPI foi aprovado.
A partir desta data esperava-se um posicionamento do Poder Executivo. Pouco caso, pouco conhecimento, pouco tempo ou pouca vontade impediu o governo de reagir com rapidez. A resposta foi sendo adiada e contou com o tumulto da aprovação de um decreto legislativo com interpretações contraditórias sobre sua redação e conteúdo. Semana após semana sem solução obrigou os deputados a se colocarem na defensiva e como último recurso dificultarem a tramitação da medida provisória do plano econômico.
O ministro Rubens Ricupero assumiu com boa vontade e a questão já passada da hora de ter sido resolvida. A equipe econômica finalmente foi obrigada a pensar no caso, tomar conhecimento do relatório da CPI e negociar uma solução. O calendário infelizmente não permitiu que agora com mais diplomacia e menos economês um acordo fosse atingido. A solução está muito mais próxima. Culpar os deputados representantes dos agricultores representa desconhecer a real trajetória da questão. Não lhes sobrava alternativa diante do preconceito e descaso com que a equipe econômica tratou a questão.
A lição que tiramos deste lamentável incidente é que a consistência de uma política agrícola para o futuro passa pelo Congresso Nacional com todas as dificuldades que isto representa e que as equipes que cuidam da economia continuam menosprezando e desconhecendo a realidade rural do país. Felizmente importante parcela de agricultores caminha celeremente para o futuro, de costas para Brasília.

Texto Anterior: Menos mau; Mais enxuta; Gente fina; Crédito dobrado; Sucesso condicional; As condições; Perda pesada; Peça íntima
Próximo Texto: Um sopro de esperança
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.