São Paulo, sábado, 30 de abril de 1994
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Siegel desenvolve cinema físico

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Filme: O Homem que Burlou a Máfia
Produção: EUA, 1973, 111 min.
Direção: Don Siegel
Canal: Globo, 2h30

Enquanto não entra "O Homem que Burlou a Máfia", o que mais se pode apreciar em alguns filmes de hoje é a arte de suas atrizes: a ostensiva Marianne Sagebrecht, em "Bagdad Café", e a discreta Isabelle Huppert, em "Os Possessos".
Mas é mesmo "O Homem que Burlou a Máfia" que fica com todas as honras do dia. A históra é a de assaltante, Charley Varrick (Walter Matthau), que despretensiosamente rouba um pequeno banco.
Ao abrir o cofre, porém, percebe que ali existe uma dinheirama. Inteligente, logo nota que tirou a sorte grande ao contrário: assaltou um banco onde a Máfia moitava seu dinheiro. Varrick sabe que com a polícia o jogo tem leis precisas e limites. Com a Máfia, não tem conversa. Seus assassinos irão persegui-lo até o fim do mundo atrás do dinheiro.
Como não há como devolvê-lo, Varrick não tem outra solução exceto a de aceitar seu destino e tentar dribá-lo. Arma-se para a perseguição.
O problema que se coloca para ele é a de um combate desigual. É desse ponto em diante que "O Homem que Burlou a Máfia" se afirma como um produto típico de Don Siegel, em que a ação tem uma natureza física acentuada. É como se o espectador sentisse, a cada cena, a pulsação dos personagens em cena. Seus gestos são dotados de uma precisão absoluta, como sinais exteriores de um raciocínio incessante.
Já se disse que este é um filme sem tempos mortos, o que é verdade. Joe Don Baker, o matador da Máfia, está disposto a não deixar Matthau em paz por um momento. Não é o único, mas é o principal de seus perseguidores.
Entre os dois se desenvolve um jogo de inteligência que terá seu ponto alto na batalha entre um automóvel (que persegue) e um velho avião (perseguido). Cada instante desse conflito de tirar o fôlego designa um gesto de pensamento, em que as honras principais cabem ao perseguido. Escapar (e sobreviver) consiste, para ele, em interpretar o mundo corretamente, antecipar-se à ação do inimigo, surpreendê-lo fazendo o inesperado.
É, em suma, assumir integralmente sua condição de homem, indivíduo, às voltas com um mundo hostil e ser capaz de superar a adversidade. É como se alterasse a célebre frase de Descartes, transformando-a em "penso, logo sobrevivo". "O Homem que Burlou a Máfia" é um desses momentos em que Siegel desenvolveu plenamente a idéia de cinema popular.

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