São Paulo, sábado, 30 de abril de 1994
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Armadilhas da estabilização

ANTONIO BARROS DE CASTRO

A recente experiência de estabilização verificada em diversos países e tornada paradigmática no caso argentino contém vários ensinamentos sobre o que tende a ocorrer quando a estabilidade é finalmente alcançada, após um longo período de fadiga inflacionária.
Ocorre intenso repatriamento de capitais, movimento que se soma ao ingresso genérico de aplicações em busca de ganhos rápidos em economias consideradas saneadas e "emergentes".
Internamente, o crédito, destruído por anos de instabilidade, renasce com grande vigor. A demanda dos consumidores, até então corroída pela inflação e contida pela opacidade do futuro, é retomada também, vigorosamente.
Parte dos ativos financeiros reflui dos abrigos antiinflacionários em que se encontrava, em direção a ativos reais. A valorização destes últimos –ações e imóveis, particularmente– introduz aquilo que os economistas chamam de "efeito riqueza". Todos se sentem mais seguros e muitos se sentem mais ricos. Tem início a festa da estabilidade.
As dificuldades maiores que acompanham o novo quadro começam agora a ser conhecidas. Apesar da elevação do grau de utilização da capacidade produtiva, em diversos setores, a oferta só acompanha a demanda reaquecida mediante expansão das importações. A taxa de câmbio tende a sobrevalorizar-se, ainda quando prevista constante pelo plano de estabilização: o México oferece uma boa ilustração deste fenômeno.
O comércio externo de mercadorias se desequilibra, mas é compensado pelo ingresso de capitais, dando início a um novo ciclo de endividamento. Os salários tendem a elevar-se significativamente em dólares sem que isto acarrete a elevação do poder de compra –na Argentina, a redução média dos salários reais é de 20%. Torna-se excepcionalmente aquecido o mercado de duráveis, via alavancagem creditícia.
As tentativas de resposta a estes problemas revelam-se inadequadas. A esterilização de capitais procedentes do exterior mediante colocação de títulos no mercado interno, por exemplo, provoca acentuada elevação dos juros, o que soma nova pressão de custos aos produtores internos e torna mais atraente a corrida de capitais para o país, dando origem a um perigoso círculo vicioso.
O que precede leva a crer que a economia deve, sim, ser contida, desde que os instrumentos de contenção sejam escolhidos de maneira a adequar-se à singularíssima situação em foco. Trata-se, em suma, de impedir a exacerbação de um quadro propenso à euforia e de evitar armadilhas (como o círculo vicioso acima referido). Trata-se de impedir que uma expansão fácil prejudique o autêntico crescimento que só pode ser um fenômeno de longo prazo.
A contenção deveria então incluir, pelo menos: a severa limitação do ingresso de capitais do exterior (a exemplo do Chile) e a limitação do crédito ao consumo –mas não ao investimento.
As características singulares ostentadas pelo que se conhece do Plano FHC são meras idiossincrasias, em relação aos mecanismos aqui assinalados. Além disto, os cuidados aqui referidos são particularmente recomendáveis, no caso brasileiro, por três razões: a estabilização parte de um alto nível de atividade industrial; o saldo comercial já se encontra em preocupante queda; e numerosas empresas têm feito um notável esforço de capacitação para exportar e/ou competir com importações.
Conter a primeira fase é, essencialmente, conter a euforia, retirar a espuma de um quadro eminentemente transitório. Países que, como a Argentina, se recusaram a conter esta fase, vêem-se hoje obrigados a apelar para medidas casuísticas, que dificilmente solucionarão as suas dificuldades.

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