São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Lei francesa responsabiliza pessoas jurídicas por crimes

YURI CARAJELESCOV
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A legislação penal que entrou em vigor na França, em 1º de março último, adota a responsabilidade criminal para as pessoas jurídicas –empresas, associações ou sociedades, por exemplo.
Responsabilidade criminal é o conjunto das condições exigidas em lei para que alguém possa ter direitos ou obrigações no campo do Direito Penal.
As penas previstas para os vários delitos são: multas que chegam a US$ 45 milhões, interdição temporária ou definitiva e até a "pena de morte" da pessoa jurídica, através da dissolução.
A "pena de morte" é aplicada em casos extremos, quando as sociedades são criadas ou desviadas para a prática de crimes.
A legislação francesa sujeita as pessoas jurídicas a crimes (condutas consideradas graves) e contravenções (condutas consideradas menos graves).
Entre os crimes, figuram a corrupção ativa, extorsão e crimes contra a humanidade.
Na lista de contravenções estão a discriminação racial, a injúria e a difamação.
É o caso, por exemplo, do diretor de empresa que corrompe fiscal para que ele não multe a empresa.
Motivos
Um dos principais motivos dessa reforma na lei francesa é a grande quantidade de delitos cometidos por pessoas jurídicas no país.
Outro argumento usado em favor da reforma é que a responsabilidade criminal da pessoa jurídica pode evitar responsabilização injusta dos dirigentes da empresa.
Mais um argumento em favor da reforma é que a responsabilidade criminal da pessoal jurídica permite ampliar a garantia de indenização às vítimas de crimes cometidos por empresas.
Pela nova legislação francesa as sanções são gravadas. Em caso de reincidência (prática repetida de crime) pode haver a unificação e suspensão condicional da pena.
"Desnecessária"
Para o professor de direito penal da USP (Universidade de São Paulo) Miguel Reale Jr., a responsabilização criminal da pessoa jurídica é "desnecessária, insipiente e incompatível com o direito penal contemporâneo adotado em vários países –inclusive pelo Brasil".
No direito brasileiro, as pessoas jurídicas não são responsabilizadas criminalmente.
Os crimes cometidos em benefício da pessoa jurídica são de responsabilidade de seus gerentes ou diretores –que podem ser punidos com pena de multa ou prisão.
A pessoa jurídica, em alguns casos, pode sofrer sanções na esfera administrativa.
"Estabelecer a responsabilidade objetiva de uma empresa pode levar à impunidade os verdadeiros autores do delito, penalizando aqueles que nenhuma relação tiveram com o crime, inclusive os trabalhadores, na situação extrema de dissolução da empresa", afirma Reale Jr.
Para o advogado criminal Tales Castelo Branco, a realidade brasileira é diferente da francesa. "Deve-se tomar todos os cuidados para não se lançar na vala comum inocentes e culpados.", diz.
"No direito francês, onde não havia sido equacionada de maneira satisfatória a problemática da responsabilidade civil, as mudanças podem representar avanços no sentido de se punir empresas que cometem delitos", afirma.
Para Castelo Branco, "o melhor sistema é o adotado pelo Brasil, porque aplica sanções de ordem administrativa à pessoa jurídica e penaliza na área criminal os responsáveis pelo fato".
Já para o professor de direito comercial da USP Fábio Konder Comparato, a responsabilização criminal da pessoa jurídica é compatível com o direito brasileiro.
Segundo Comparato, "o artigo 173, parágrafo 5º, da Constituição, permite a adoção da responsabilidade criminal das pessoas jurídicas, desde que haja regulamentação legal apropriada" (leia texto acima).

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