São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Bases para o desenvolvimento competitivo da indústria

LUCIANO COUTINHO

Após quase uma década e meia de crise é mais que urgente e indiscutível a necessidade de uma política de desenvolvimento industrial.
Nos países industrializados, a competitividade tornou-se o critério-chave das políticas industriais –os incentivos de natureza genérica foram substituídos por programas bem enfocados de apoio ao poder de competição, às atividades de P&D (pesquisa e desenvolvimento tecnológico) e a programas de salvaguarda de indústrias ameaçadas.
Apesar da retórica neoliberal (hoje amainada), o montante de incentivos e subsídios à indústria nos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) situou-se ao redor de US$ 100 bilhões ao ano na segunda metade dos anos 80.
O Brasil, após 1990, adotou a abertura comercial gradativa como instrumento solitário de pressão sobre o sistema industrial estabelecido. Embora positiva na maior parte dos casos, a abertura está longe de ser suficiente.
As defasagens acumuladas e os desafios da 3ª Revolução Tecnológica requerem o apoio articulador e outros instrumentos e políticas, se se deseja efetivamente promover o desenvolvimento industrial.
O país defronta-se com uma encruzilhada: ou se estrutura uma política moderna de desenvolvimento competitivo ou regrediremos, à medida que o progresso tecnológico se acelera no resto do mundo e a nossa competitividade reflui para commodities intensivas em recursos naturais, energia e mão-de-obra barata.
De saída, o desenvolvimento competitivo exige estreita coordenação entre as políticas industrial, tecnológica e de comércio exterior –e, ademais, requer a sintonia e reforço da política agrícola, de educação, ciência, infra-estruturas, desenvolvimento regional.
Mas nada será possível sem a compatibilização entre a estratégia de estabilização e a política de desenvolvimento.
Um programa de estabilização ancorado na taxa de câmbio, fixa ou rígida, pode derrubar a inflação e promover –a curto prazo– um surto de euforia, mas significa uma armadilha letal para a competitividade.
A sobrevalorização sustentada da taxa de câmbio equivale à negação de qualquer projeto de desenvolvimento: estimula o crescimento desmensurado das importações, inviabiliza as exportações, promove a desindustrialização e, mais grave, torna o país vulnerável e dependente da entrada de capitais externos especulativos para financiar seus pagamentos internacionais. A equipe econômica deve sopesar muito bem as implicações da opção para a ancoragem do real...
Os novos temas e desafios da competitividade pressupõem uma profunda reforma do Estado.
Não se trata apenas de suprimir os órgãos e agências inúteis, impor rigorosa austeridade, punir a corrupção, implantar a eficiência nos serviços públicos, rever as competências de governo na Federação.
É imprescindível desenvolver novas capacitações, dispor de quadros qualificados, restaurar o planejamento e mudar o estilo.
O Estado brasileiro é obsoleto –incapaz de desempenhar as tarefas contemporâneas de promoção da competitividade, notadamente em matéria de anti-dumping, salvaguardas comerciais, regulação ambiental, promoção da concorrência (anti-truste), fomento à P&D do setor privado, articulação eficiente do seu poder de compra, descentralização do fomento para formação de redes de cooperação entre pequenas empresas.
É dispensável ressaltar aqui a urgência de uma reforma tributária, que simplifique e racionalize o sistema, incentivando o investimento, desonerando as exportações e estimulando a P&D.
Porém, a mais imperdoável das nossas falhas está na crise do sistema público de educação. Sem uma profunda reforma que ponha em marcha um processo de elevação gradativa da escolaridade básica do povo brasileiro ficará difícil, senão impossível, acompanhar as novas formas de organização do trabalho, com crescente automação e informatização flexível dos processos.
O desdobramento de novos meios de financiamento de longo prazo (crédito, operações securitizadas, captação de poupança externa) constitui outro requisito fundamental para o desenvolvimento.
Sem finanças industrializantes não haverá como sustentar investimentos crescentes e promover a reestruturação dos nossos grupos empresariais –cujo porte, perfil setorial e estratégias são acanhadas frente à competição global.
Articulados de forma coerente os fatores sistêmicos, será possível conduzir programas setoriais de reestruturação e modernização.
O Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (Ecib), recém-concluído, analisou detalhadamente 34 setores, agrupando-os por tipo de política e de ações –a serem empreendidas pelo Estado e pelo setor privado.
Dadas as prioridades de cada programa de governo, o Ecib permite formular uma política industrial consistente. Realizado com recursos públicos, ele está à disposição dos interessados. Finalmente, não há mais desculpa para que o país não tenha uma política industrial.

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