São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Renovar o pacto pelo desenvolvimento

ANTONIO KANDIR

Desde 1945 até anos recentes, a sobre-representação dos Estados menos populosos no Congresso Nacional foi peça-chave do pacto das elites. Apenas há pouco ela passou a ser vista como obstáculo ao desenvolvimento político e econômico do país.
As razões dessa mudança estão no esgotamento de um modelo de crescimento econômico concentrado na região Sudeste e apoiado no fechamento do mercado interno à concorrência internacional. Parece que uma coisa nada tem a ver com a outra. Mas tem, e muito.
A sobre-representação dos Estados menos populosos foi a moeda de troca que as elites industriais do Sudeste ofereceram às oligarquias regionais "atrasadas", para convencê-las da necessidade de fechar a economia e concentrar o esforço de industrialização onde já havia maior acumulação de capital.
As oligarquias "atrasadas" consentiam que as políticas de governo favorecessem à concentração do desenvolvimento econômico e recebiam maior poder político nas instituições de governo.
A compensação tinha sua razão de ser. A acumulação concentrada do capital não apenas gerava mais renda e receitas tributárias no Sudeste, mas também, já que inseparável do fechamento da economia, obrigava os Estados periféricos a comprar bens produzidos no Sudeste a preços superiores aos do mercado internacional.
Para compensar essa perda, os Estados periféricos ganharam acesso privilegiado a recursos orçamentários. Perdiam na esfera do mercado e da produção e ganhavam na esfera do governo e da distribuição das receitas tributárias.
O Estado operava como grande câmara de compensação, palco e instrumento do pacto das elites.
A capacidade do Estado de operar essa compensação foi-se esgotando à medida que, a partir de meados dos anos 70, perdia dinamismo o modelo de desenvolvimento econômico fundado na "substituição de importações" e as finanças públicas entravam fragilização progressiva.
O Estado deixou de funcionar como condutor do desenvolvimento, tampouco conseguia operar a contento a distribuição de recursos cada vez mais escassos.
Nesse processo, a sobre-representação das oligarquias "atrasadas" passou a ser vista como um estorvo à modernização do Estado e à retomada do crescimento econômico. E, efetivamente, o é.
É ainda um anacronismo, já que, com a abertura econômica e os impulsos de desconcentração industrial que nasceram no próprio modelo antigo, a compensação política perdeu sua razão de ser.
Funcional no modelo antigo, ainda que ilegítima do ponto de vista democrático, a sobre-representação tornou-se disfuncional para a construção de novo Estado e modelo de desenvolvimento.
As economias dos Estados periféricos, conforme adquirem dinamismo e estabelecem parcerias também no mercado internacional, tendem a depender cada vez menos de acesso privilegiado à distribuição de recursos orçamentários.
Já se pode perceber essa mudança estrutural na transmutação de muitos segmentos das oligarquias "atrasadas", que hoje não mais correspondem ao figurino clássico do coronel latifundiário, com seus jagunços, cabos eleitorais de província e extensa parentela, embora não se tenham livrado de todo da rede clientelista que lhes prende à velha política e ao velho Estado.
A legitimidade democrática inquestionável da demanda por uma representação mais equilibrada no Congresso ganha assim a materialidade necessária para que se torne um vetor importante de mudança.
São Paulo tem papel importante nesse processo. Deve exigir, portanto, representação proporcional à sua população.
Mas não basta isso. É preciso que os representantes paulistas no Congresso Nacional substituam definitivamente a auto-suficiência provinciana do passado por uma visão nacional em que São Paulo surja como instrumento da construção de um Estado nacional ajustado aos novos tempos.

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