São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Trabalho traz pouco prazer, diz médico

DENISE CHRISPIM MARIN
DA REPORTAGEM LOCAL

O médico do trabalho e psiquiatra francês Christophe Dejours, 45, defende há quase duas décadas a tese de que o trabalho traz mais sofrimento que prazer ao ser humano.
Dejours é membro do Laboratório de Psicologia do Trabalho do Conservatório Nacional de Artes e Ofícios, em Paris. Suas teorias deram origem a uma linha de estudos sobre as organizações do trabalho e a saúde mental do trabalhador.
A chamada "escola dejouriana" tem discípulos também no Brasil. Em meados de abril, seu criador desembarcou em São Paulo para uma série de palestras, a convite da Fundação Getúlio Vargas.
A seguir, trechos de sua entrevista exclusiva à Folha:

Folha - O trabalho traz mais sofrimento ou mais prazer para as pessoas?
Christophe Dejours - Evidentemente há mais sofrimento que prazer no trabalho. Toda situação de trabalho pressupõe sofrimentos e apenas em algumas situações também existe o prazer.
O sofrimento, no entanto, pode ser transformado em prazer ou se tornar perigoso para a saúde. O trabalho, então, nunca é neutro.
Folha - Como o trabalho pode se transformar em prazer?
Dejours - As pessoas sempre enfrentam dificuldades e obstáculos no trabalho e, para superá-los, precisam criar caminhos alternativos. Ao encontrá-los, elas são obrigadas a cometer infrações às regras do trabalho.
Folha - O senhor poderia dar um exemplo?
Dejours - Um maquinista de trem percebe um sinal de alarme no painel. Ele deveria parar o trem, mas tem que levar em conta a intensidade do tráfego.
Se decidir parar, o trânsito será bloqueado e ele será repreendido. Se continuar até uma estação, corre o risco de provocar um acidente.
Aí se coloca a questão do sofrimento. Digamos que ele tenha optado pelo risco –o caminho alternativo que encontrou para aquela situação– e foi bem-sucedido.
Caso o maquinista receba uma sanção por ter se desviado das regras da empresa, todo seu esforço terá sido inútil. Se cada vez que trouxer uma boa solução for repreendido, ele vai sofrer.
Mas se a hierarquia reconhecer suas dificuldades e sua criatividade, o sofrimento será transformado em prazer.
Folha - O prazer no trabalho, então, depende do reconhecimento ao trabalhador?
Dejours - Sim. As pessoas desejam trazer contribuições às empresas e até reclamam esse direito. Tudo vai depender da forma como os superiores respondem.
Folha - É o que se costuma chamar de motivação?
Dejours - De certa forma, essa é uma maneira diferente de retomar o velho problema da motivação.
Folha - Como o senhor avalia a tendência das empresas premiarem seus funcionários por suas sugestões ou por aumento de produtividade?
Dejours - Os abonos e prêmios não são maus. Mas as empresas ocidentais erram por não dar também o reconhecimento simbólico que, na prática, pode ser traduzido como gratidão.
No sistema de produção japonês, todas as descobertas e contribuições de empregados são retribuídas simbólica e materialmente.
No ocidente, ainda se pensa que os engenheiros sabem tudo e não precisam das sugestões dos trabalhadores menos qualificados.
Portanto, reconhecer a importância das contribuições é um dos desafios das empresas ocidentais.
Folha - A gestão participativa e os times de trabalho transformam o sofrimento em prazer?
Dejours - O sofrimento está sempre presente, inclusive nessas relações de trabalho. Não existe organização do trabalho perfeita.
Mesmo que as situações de trabalho sejam duras, as pessoas se sentirão bem se houver reconhecimento. Da mesma forma, os times de trabalho podem resultar em prazer desde que a empresa reconheça a criatividade dos funcionários.
Folha - O reconhecimento é a chave para o incentivo das pessoas ao trabalho?
Dejours - Parece que o reconhecimento proporciona uma resistência física muito superior.
Uma pessoa que decide atravessar o oceano Atlântico sozinha em um barco sabe que vai se submeter a um trabalho duro e perigoso.
Mas a expectativa de reconhecimento lhe confere capacidade de resistir a tal ponto que ela se sente melhor trabalhando que parada.

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