São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Cientistas isolam novo tipo de vírus

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

No princípio do ano passado apareceu no sudoeste dos EUA misteriosa doença respiratória com alta mortalidade (75%). Os pacientes, entre 20 e 40 anos, manifestavam infiltrações no pulmão, com edema não cardíaco.
As autoridades sanitárias, em particular o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) logo se mobilizaram, e seus especialistas reconheceram a implicação de um vírus do grupo Hanta, do qual são reservatórios naturais roedores silvestres, no caso um camundongo (Peromyscus maniculatus), que às vezes se aproxima das residências.
O achado intrigou os especialistas porque nos EUA não havia registro da presença desse tipo de vírus e nem de moléstias a ele ligada. Também essa doença não havia sido reconhecida, na forma pulmonar, em outras partes do mundo.
Os hantavírus existem em roedores selvagens, como camundongos, arganazes etc. O Rattus norvegicus também é portador do vírus, e alguns supõem que ele contaminou o mundo através das embarcações.
Esses vírus pertencem à família Bunyaviridae, e seu material genético é constituído de RNA (ácido ribonucléico), o parceiro do conhecido DNA (ácido desorribonucléico) no processo da transcrição da mensagem genética.
Conhecem-se hoje vários tipos de hantavírus, que se distinguem por provas sorológicas e pelas doenças que produzem. O tipo mais comum é o Hantaan, que domina na Ásia e se associa a uma febre hemorrágica com comprometimento (insuficiência) renal.
Os vírus Hanta se espalham na Ásia e na Europa. O interesse ocidental por eles data de 1951, quando soldados dos EUA que lutavam na Coréia foram vitimados pela chamada febre hemorrágica com insuficiência renal (HFRS), que mata em 7% dos casos.
As tentativas de isolar e identificar esses vírus malograram até 1976, quando Ho Wang Lee conseguiu isolá-lo de um Apodemus agrarius, camundongo da região do rio Hantaan.
Em 1984 George French e colaboradores cultivaram o vírus em células. A partir daí os cientistas isolaram vários outros tipos.
O vírus norte-americano foi classificado no grupo Hanta pelos meios imunológicos comuns, mas sua identificação exigiu magnífico esforço de investigação científica, porque a amostra não é cultivável.
Essa tarefa foi realizada por Stuart Nichol e colaboradores, cujo trabalho foi publicado em "Science" (262, 914), menos de um ano após o reconhecimento da moléstia.
Na falta do vírus, que não é cultivável, Nichol teve de recorrer a técnicas de biologia molecular, a partir de tecidos de pacientes e de camundongos naturalmente infectados, para comparação.
Essas técnicas envolvem multiplicação dos genes do vírus presentes nos tecidos e na separação ou extração de seus fragmentos até recompor o vírus. Este se revelou entidade ainda não conhecida –um tipo novo de vírus Hanta, associado a uma doença nova.
O feito de Nichol despertou muito entusiasmo na comunidade científica, a ponto de figurar entre os candidatos ao título de "Molécula do Ano".
A respeito da nova doença, que não é transmitida pelo simples contato, James M. Hughes, que participou da equipe de Nichol, escreveu na mesma revista (p.850) artigo sobre doenças emergentes, como a agora descrita, e chama a atencão para a necessidade de apurar bem os diagnósticos, não se deixando o clínico levar pela semelhança com outros males, mas ficando atento às peculiaridades.
Estas, quando não puderem ser explicadas, devem induzir o responsável a procurar os serviços especializados. Assim se torna possível caracterizar as doenças novas, pois, como afirma recente relatório (1992) da Comissão do Instituto de Medicina, dos EUA, "embora seja impossível prever a eventual emergência (de micróbios patogênicos) no tempo e no local, podemos estar certos de que novas doenças aparecerão".
Quanto à transmissão do novo tipo de hantavírus, nada se sabe. Mas é certo que ele já foi isolado de um gato doméstico, que pode ter se contaminado com os roedores que eventualmente atacou.

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