São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Resgate cívico

Dos dois candidatos que hoje despontam como os principais rivais na disputa pela Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, a diversas personalidades de destaque da sociedade civil, a maioria das reações foi favorável à proposta encampada por esta Folha de defender a realização de uma assembléia exclusiva para proceder à revisão constitucional. Fica então a pergunta: se é quase um consenso que a reforma da Carta deve ocorrer e deve ser feita por um colégio de cidadãos especialmente eleitos para essa tarefa, por que é tão difícil que a proposta de fato se viabilize?
Existem, é claro, entraves de ordem prática. Organizar uma eleição não é um trabalho simples, que se faça da noite para o dia. Existem também dúvidas sobre quais seriam as regras mais adequadas para a eleição dos candidatos a revisores. Eles teriam de estar ligados a agremiações políticas? Como tornariam públicas suas idéias e posições? Teriam direito a algum tempo de horário eleitoral gratuito? Como financiariam suas campanhas? E a própria eleição, deve ser realizada junto com as de outubro ou não?
Enfim, é forçoso reconhecer, há uma série de questões práticas que têm de ser resolvidas. Nenhuma delas, contudo, constitui obstáculo intransponível à instalação de uma assembléia revisora exclusiva.
O principal foco de resistência à adoção da proposta está, sem dúvida, no Congresso Nacional. Mesmo parlamentares favoráveis à tese acreditam que ela dificilmente seja aprovada pelo Legislativo. E a razão dessa resistência é, no fundo, a mesma que impediu os congressistas de realizarem a revisão do texto constitucional que deveriam ter feito: colocaram seus interesses pessoais à frente do interesse público.
De fato, a revisão naufragou, entre outros motivos, porque os parlamentares, sempre ciosos de sua reeleição, acovardaram-se e preferiram não tomar decisões que pudessem parecer impopulares ou que contrariassem os objetivos dos grupos econômicos que os financiam.
Nesse sentido, a idéia de criar um colégio de cidadãos que não tenham ou abram mão –ao menos de forma temporária– de seu interesse pela política parlamentar ou executiva para exclusivamente emendar os equívocos da atual Carta tem a grande virtude de evitar que preocupações mesquinhas como a de reeleger-se poluam a lei fundamental do país. São esses interesses pequenos de congressistas preocupados em criar privilégios para os grupos de poder que representam que acabaram consagrando, na Constituição de 88 –apesar de suas virtudes democráticas–, o loteamento do Estado e, portanto, a sua virtual falência.
Para que o Brasil possa entrar no caminho que leva ao desenvolvimento com justiça social é imperativo que os empecilhos existentes no atual texto constitucional sejam removidos o quanto antes. O Congresso já se demonstrou incapaz de realizar essa tarefa. Cabe, portanto, à sociedade fazê-lo. Como a experiência já o provou, o Parlamento é capaz de agir no interesse público quando pressionado pela população. E a opinião pública pode e deve pressionar o Congresso para que aprove emenda constitucional convocando a assembléia exclusiva. Como reza o artigo 1º da Lei Maior, "todo poder emana do povo".

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