São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Gibbons redefine prioridades da ciência

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cientistas acham que seus estudos, misto de física e economia, são o "motor" do crescimento econômico. O canadense Michael Gibbons, 55, dirá que não, e argumentará com a experiência dos países do leste asiático, os "tigres" e "dragões" com seus surtos de desenvolvimento econômico.
"Eu vou argumentar que os asiáticos mostram um processo gradual de aprendizagem de técnicas simples nos estágios iniciais até chegar no final a um esforço próprio de pesquisa e desenvolvimento", afirma Gibbons.
O encontro é o "Seminário Internacional de Avaliação e Propostas para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico para o Brasil", na Fundação Getúlio Vargas (av. Nove de Julho, 2.029, São Paulo). O seminário vai até quarta, e deve ser aberto hoje pelo ministro da área, Israel Vargas, às 9h.

Folha - Como pioneiro nessa área de estudos em desenvolvimento de tecnologia, qual é o principal problema para um país de Terceiro Mundo? É possível generalizar?
Michael Gibbons - Sim, eu acho que podemos generalizar. O maior problema é a agenda, o fato de os problemas mais interessantes em ciência serem estabelecidos nos EUA. Ciência é uma atividade muito bem organizada, você precisa estudar vários anos para pertencer a ela, fazer seu PhD como seu principal ritual de iniciação etc. Tudo isso lhe diz quais são os principais problemas e como lidar com eles. E isso é estabelecido nos EUA. Para a maior parte do mundo em desenvolvimento, os problemas que são prioridade da ciência americana não têm motivo para ser prioridade dos outros.
Folha - Isso se aplicaria também à Europa.
Gibbons - Sim, muito das discussões na União Européia vêm disso, nós não queremos que a ciência seja direcionada inteiramente pelo que se faz nos EUA ou no Japão, queremos fazê-la de acordo com nossas necessidades. É difícil, pois os melhores cientistas estão na América, e as pessoas, os jovens, principalmente, querem copiar isso. Esse é um dos maiores problemas, o outro é que definir uma agenda própria custa caro, e está fora de questão para países do Terceiro Mundo.
Folha - A discussão de ciência e tecnologia no Terceiro Mundo é muito ligada à do desenvolvimento. A Índia, que tem a mais importante pesquisa desses países é um país pesadelo, com enorme população na miséria.
Gibbons - Tenho alunos que estudam esse tema há anos. A Índia é o exemplo clássico do que chamamos de ciência colonial, todas as instituições e as idéias sobre o que pesquisar vêm da Grã-Bretanha, o treinamento final dos pesquisadores é feito na Grã-Bretanha.
Só nos últimos 20 anos eles começaram a dizer não, vamos fazer outras coisas. Exceto pelo aspecto muito importante de se inculcar uma mentalidade científica, a contribuição da ciência ao desenvolvimento econômico da Índia foi bem menor do que poderia ter sido. Exceto em uma área, a matemática. Também têm alguns dos melhores cientistas de software no mundo.
Folha - Não seria melhor, por exemplo, investir em medicina tropical, que interessaria mais aos indianos e ao Brasil?
Gibbons - Sim, mas como você faz para identificar as áreas de pesquisa interessantes? Geralmente se olha para os pares, e esses grupos estão na Europa Ocidental, nos EUA. É a questão da agenda. Veja a preocupação dos britânicos e americanos com o câncer. É uma doença industrial terrível. Mas há outros problemas como Aids no Terceiro Mundo, onde o câncer é um fenômeno secundário.
Folha - O sr. vai debater no o desenvolvimento de tecnologia pelos países do leste asiático. Aqui eles costumam ser apontados como bons modelos a seguir.
Gibbons - E de fato são, exceto por um motivo – porque, de acordo com os economistas, não deveriam ter acontecido (risos). Se você olhar os modelos de desenvolvimento econômico, os modelos puxados por desenvolvimento tecnológico, os economistas dirão que o acontecido lá é impossível.
Folha - dizem que os economistas têm tanta influência na economia como os meteorologistas no tempo.
Gibbons - Certo. Acho que amanhã (hoje) haverá discussão sobre redução de barreiras ao comércio, liberação de mercados e coisas assim, sou a favor disso. Mas se você olha a experiência asiática, verá coisas interessantes.
Como um país como o Brasil entra no jogo do desenvolvimento econômico na metade do tempo? Se costuma presumir na teoria econômica – particularmente quando se estuda como uma empresa deve se desenvolver, como a ciência contribui – que se começa em um estágio inicial e se melhora até ter uma tecnologia madura, um mercado estabelecido. Se você não tem isso, suas empresas chegaram tarde ao jogo. Como competir com as empresas e as economias já estabelecidas? Os quatro dragões asiáticos têm experiências diferentes, com o mesmo resultado bem-sucedido, de como entrar no jogo depois que ele começou.
Folha - O Brasil tentou fazer tudo aqui, como o caso da reserva de mercado de computadores.
Gibbons - Uma das coisas que aconteceu com essa indústria, pelo que depreendi do estudo de Simon Schwartzman, foi que ela foi protegida por tempo demais. Quero mostrar uma mudanca de ênfase da política de ciência e tecnologia.
Estamos indo na direção do aprendizado, deixando de lado o investimento em capital físico, para investir em capital humano, em como as empresas aprendem. As empresas podem começar tarde em opereações relativamente simples, e gradualmente se mover na direção de pesquisa e desenvolvimento.
Simon diz o contrário. Que se começa com um esforço de pesquisa e desenvolvimento, e daí se vai ao desenvolvimento econômico. Eu vou argumentar que esse caminho não funciona. Os asiáticos não mostram esforço de pesquisa e desenvolvimento, o que mostram é um processo gradual de aprendizagem de técnicas simples nos estágios iniciais até chegar no final a um esforço próprio de pesquisa e desenvolvimento.
Sempre que eu falo nisso me dou mal, porque os governos não gostam, e os cientistas também não, porque eles estão procurando políticas que os ajudem.
Folha - Porque os cientistas ficariam bravos? Isso não demandaria investimento em formação de recursos humanos.
Gibbons - Sim, mas os cientistas têm a crença arraigada de que a pesquisa básica é o motor do crescimento econômico. E isso não é, nem nunca foi verdade. Como, eles dizem, se você sugere uma política que não coloca a ciência em primeiro lugar, você vai perder a penicilina, os antibióticos, todas essas descobertas. Ora, seriam feitas por outras pessoas.
Folha - É bem hetérico.
Gibbons - Sim, mas eu sei que de toda a pesquisa e desenvolvimento do mundo, a Grã-Bretanha só tem 3%. Os cientistas parecem achar que basta ter as idéias. Eu argumento por um modelo linear reverso. A experiência asíatica mostra que você pode começar no meio do jogo, e daí voltar e criar a pesquisa e desenvolvimento.
Folha - E o caso de tentativas de criar atalhos, como o programa nuclear brasileiro?
Gibbons - Parecia que funcionaria, mas não funcionou, pelo motivo simples que em cada tecologia há grande volume de conhecimento que não está escrito.

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